Huddle ou Hurdle?

Atrapalhou ou não? Esse foi o comentário da semana no mundo da corrida, após a americana Molly Huddle, que defendia seu título na Meia Maratona de Nova York ter ganho por muito pouco, após um sprint final ao lado da queniana Joyce Chepkirui. Faltando um tico para terminar a prova, parece fazer uma barreira – em inglês, “hurdle”- para impedir sua concorrente de ultrapassá-la. E usa o braço para isso.

As análises pipocam por todo o mundo e não faltam detratores. Caíram de pau. Na minha opinião, após ver e rever o vídeo diversas vezes, o que ela fez foi fechar a porta para a outra. Fórmula 1 jogando o carro para não ser atropelado. Tentou ser discreta, mas se desesperou e acabou jogando, sorrateiramente – na sua percepção – o braço na frente. Fez bem ou mal? Alguém faria diferente num final exaustivo de prova? Isso vale?! É ético? Chepkirui até foi bastante educada em sua análise, sem comentar qualquer coisa sobre a “braçada” que levou.

O fato é que, mais que chegar a um veredicto definitivo sobre o caso, acho importante refletirmos sobre o nosso comportamento como corredores. O que é correto? O que deve ser evitado? O que não pode ser feito em hipótese alguma? Numa época em que a tolerância dá pinta de ser a virtude mais esquecida em nosso país, como nos comportamos na convivência com outros corredores, em treinos e provas? E no espelho, quem realmente somos?

Reconhecer nossas contradições pode ser o primeiro passo. O mesmo cara que, no meio do treino, joga o saquinho de gel usado no chão, critica quem corre na pipoca. Por outro lado, o pipoqueiro acha bizarro o cara correr com o número do outro. E ainda rola aquela cusparada irresponsável, a falta de consideração com quem corre mais devagar e é por isso varrido durante aquele 5km “importantíssimo” ou aquela consulta ao nutricionista pedindo um suplemento “que não seja doping, mas que dê um gás”. Simples?

Podemos fazer muita coisa pelo esporte. A primeira delas? Acessar o drive interior e buscar uma coisa chamada bom senso. Depois, acessar o arquivo “respeito”. Se existe dúvida, que possamos pedir ajuda aos universitários, quer dizer, os corredores mais experientes. Entender a cultura é essencial. Mas o individual sempre fala mais forte. E aí, se queremos um mundo melhor, que nossos próprios passos possam nos transportar a ele. Uma passada por vez.