Tempo duro para recordes

Ao contrário de recordes mundiais, que podem ser obtidos em competições ao longo de todo o ano, um recorde olímpico é mais especial pela dificuldade e raridade de ser conquistado: eles só acontecem a cada quatro anos, sob iguais condições para todos, mas que nem sempre são as mais favoráveis. É por isso que muitas marcas permanecem décadas sem serem quebradas. E é também o que explica, por exemplo, o recorde brasileiro na maratona ser melhor do que o recorde olímpico mundial. Enquanto Ronaldo da Costa obteve 2h06min05 na plana e fria Berlim, em 1998, o queniano Samuel Wanjiru cravou 2h06min32 na quente e poluída Pequim, em 2008.

Aliás, é o atletismo que detém o recorde olímpico mais antigo entre os esportes, vigente há 47 anos. O norte-americano Bob Beamon obteve a marca de 8,9m no salto em distância em 1968, nas Olimpíadas do México. É de lá também o recorde sul-americano nos 100m, de Robson Caetano da Silva, obtido em 1988. “Vários recordes foram quebrados na Cidade do México, devido às condições favoráveis de altitude (2.250m). A pressão atmosférica mais baixa oferece menor resistência do ar”, diz Fernando Torres, médico fisiologista do esporte e membro do Instituto Olímpico Brasileiro.

Pelo fato de o Rio estar ao nível do mar, a possível combinação de calor e umidade elevados pode atrapalhar a obtenção de boas marcas (veja o quadro “De olho na meteorologia”, à esquerda). Em 2012, pesquisadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, analisaram dados dos vencedores da Maratona de Boston desde 1924. Eles observaram que cada 1°C a mais na temperatura no dia da prova impacta, em média, em um aumento de 20 segundos para homens e 21 segundos para mulheres no tempo final das vitórias. Vento contra e a favor e chuva são outros fatores que costumam influenciar o resultado.

Se o calor é a principal influência ambiental para marchadores e maratonis- tas, nas provas curtas de velocidade e nas de saltos e lançamentos o principal fator é o vento. Recordes obtidos com ventos a favor acima de 2m/s não são nem homologados. “É comum que a partir de 0,5m/s isso seja informado ao lado das marcas, nos registros”, explica o técnico Antônio Carlos Gomes, superintendente de Alto Rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt).

Além do clima

O maior controle antidoping atual também tem dificultado a obtenção de novos recordes. Marcas antigas e duradouras sempre carregam a suspeita, pois foram conquistadas em épocas de difícil comprovação de doping. É o caso da velocista norte-americana Florence Griffith-Joyner, que surpreendeu ao obter três ouros e o recorde nos 200m em Seul, em 1988, embora não tivesse resultados expressivos antes das Olimpíadas. As suspeitas se intensificaram na ocasião de sua morte em 1998, aos 38 anos, mas nada foi provado. Já com o canadense Ben Johnson, a descoberta de uso de anabolizantes revogou o recorde e a medalha nos 100m obtidos em Seul.

Estaríamos próximos de um teto de performance? “Os novos tempos estão mais sujeitos a fenômenos da genética e do aprimoramento tecnológico dos equipamentos esportivos”, afirma Antônio Carlos. Maior exemplo de fenômeno genético, o velocista

jamaicano Usain Bolt superou em seis centésimos, em Londres, seu próprio recorde olímpico obtido em Pequim, nos 100m, com 9s63. É também o dono do recorde mundial, com 9s58. Para se ter uma ideia da evolução, demorou 100 anos para que o tempo nos 100m baixasse menos de dois segundos – de 11s08, do norte-americano Tom Burke, em Atenas (1896), para os 9s84 do canadense Donovan Bailey, em Atlanta (1996). Se os dois disputassem a prova, Tom chegaria 20m atrás de Donovan. Diante disso, a maior expectativa de um recorde olímpico no Rio está justamente com Bolt: conseguirá ele seu terceiro consecutivo?

De olho na meteorologia

Em agosto – mesmo período que acontecerão os Jogos Olímpicos – deste ano, o Rio registrou 35,4°C no dia 19. No dia 31, a temperatura chegou a 37,7°C. Os recordes de máximas registradas são de 38,9°C em agosto e 40,6°C em setembro, mês das paralimpíadas. Pelo fato de o Rio estar à beira-mar, seria natural contarmos com uma umidade elevada. Porém o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta uma boa probabilidade de ar seco, que aumenta os riscos de desidratação. “E há grande chance de termos temperaturas mais próximas das máximas”, informa a meteorologista Márcia Seabra, do Inmet. Segundo ela, também podem ocorrer ventos fortes e até granizo, caso frentes frias consigam furar o bloqueio da massa de ar quente. Desde o Pan de 2007, o Inmet vem trabalhando com o Comitê Olímpico Brasileiro, fornecendo previsões que servem de subsídios para a adaptação dos atletas. Em Pequim, os atletas também enfrentaram o calor, e mesmo assim houve recorde masculino na maratona. Em Londres, a maratona foi disputada sob 18°C e teve o recorde feminino quebrado.