Corredor exemplar

Todo técnico é um pouco general. Mas, quando você escuta mais do que fala, aprende muito – eu, inclusive, sei que preciso ser mais ouvinte. Na corrida é a mesma coisa. O treinador tem um conhecimento muito grande do que deve ser passado para os alunos. Mas eles têm experiências para acrescentar ao professor. E mais: os próprios corredores têm muito a aprender entre si. A experiência, quando acompanhada de bom senso, é valiosíssima. Você tem que saber de quem ouvir e o que ouvir.

Vamos pegar como exemplo a Maratona de Boston (EUA), uma prova muito técnica. Porque a segunda metade da prova traz as maiores encrencas, como a temida Heartbreak Hill, o consenso geral diz: faça a primeira metade mais rápido para compensar. Mas será que vale a pena? Em vez de se espelhar em um só conselho, que tal conversar com alguém experiente que já tenha feito a prova das duas formas?

A prática vale muito. O técnico está sempre com o conteúdo em mãos e vários cases de sucesso e fracasso. Mas o corredor tem sua vivência única.

Um dos alunos da MPR, o Jacques Fernandes, correu Boston em abril e ajudou um amigo a fazer um sub -3h. O Jacques é experiente e serviu de modelo. Se o corredor tiver treinado e souber o ritmo ideal para ele, ótimo! Não há bengala, os dois têm que correr! Outra aluna minha erra pouco e é um ótimo “espelho”. Foi a primeira mulher da assessoria a conquistar um sub-3h. Você pode usar os tempos dela como objetivo, mas talvez a forma que ela faz a prova não seja a melhor para você. Aprenda a montar um planejamento de prova seu, que pode ter como base a experiência deles, mas que leve em conta seus acertos e tropeços. É errando que a gente acerta o passo.

E há aspectos em que definitivamente a gente não deve se basear nos outros. Na alimentação, por exemplo, nem todo atleta se dá bem com gel. Não tem jeito: tem que ir ao nutricionista. Na hidratação é a mesma coisa: individualidade de atleta para atleta. Alguns precisam de uma boa hidratação e outros funcionam com menos. Nós, treinadores, aprendemos com isso e trabalhamos no meio-termo, para não excluir ninguém. É raro, mas alguns atletas, em maratonas, conseguem uma segunda metade mais rápida que a primeira. Eu não recomendo, mas não mudo a forma de ele correr. Quem sou eu para mexer no que está dando certo?

A corrida com a ajuda de um “espelho” também pode ser feita com você mesmo. Já pensou em conversar mais com o seu treinador e ter um olhar mais amplo sobre seu desempenho em treinos e provas? Você pode tirar ótimas dicas dessa análise. Esse é o dever de casa de quem visa performance.