Não sou vitrine

Até hoje minha irmã mais velha conta esta história. Anos 1980, Guarujá (SP), fim de tarde. Hora do melhor sol do dia, aquele que já não faz mais a testa franzir e permite um leve sorriso. O moço do amendoim aparece e despeja um punhado no colo de cada uma de nós. A fome é tanta que eu nem olho para o lado, jogo tudo para dentro. Sim, com casca e tudo. Minha irmã perde o fôlego, de tanto rir. E até hoje ela dá uma risadinha quando aparece algum vendedor de amendoim.

Ainda sou fã de amendoim, mas manero porque hoje sei que aquele punhado tem umas 200 calorias. Sim, ele é fonte de proteína, fibras e gorduras benéficas ao coração, ou seja, afasta a fome por um bom tempo. Mas isso está longe de ser novidade. Já era ponto pacífico na minha infância e também na da minha avó. Então, me diga, por que esse fuzuê em torno da pasta de amendoim, como se ela fosse o novo elixir da juventude? A amêndoa, a noz e o caju trazem propriedades semelhantes, sendo que o amendoim está mais propenso à contaminação por fungos. Sim, a granel ele é o mais barato. Mas em forma de pasta o preço é bem salgado – especialmente as pastas mais bacanas, eitas só com o amendoim, sem açúcar, conservantes ou aromatizantes.

A tapioca é outra que vive um boom. Essa goma de mandioca já era usada como substituto ao pão pelos portugueses na época da colonização, mas só na era pós-demonização do glúten é que foi elevada à condição de diva fitness.Ok, vale para variar o cardápio, mas tapioca é pobre em fibras e tem alto valor glicêmico: eleva rapidamente os índices de açúcar no sangue, que logo em seguida despencam e nos deixam com fome de novo. Para ela ser uma parceira da boa forma, o recheio tem que trazer proteína e/ ou fibras, que ajudam a prolongar a saciedade.

A banana, cultivada por aqui desde a colonização portuguesa, sempre foi vendida a preço de… banana – até a biomassa de banana verde aparecer nas receitas de nutricionistas, chefes de cozinha, blogueiras fitness. Estudos mostraram que o fruto verde (que “amarra” na boca) é rico em amido resistente, que ajuda a regular a flora intestinal. A notícia se espalhou e o valor de mercado subiu: 250g da massa custam em média R$ 20. E os tais nibs de cacau? Basicamente a amêndoa do cacau tostada e triturada. O mesmo cacau cultivado pelos índios – relaxante, antioxidante, vasodilatador – é hoje vendido a preço de ouro em pó, para salpicar no mingau, no sorvete, na banana. Até porque puro é difícil de engolir: 100% cacau, é amargo que dói…

Acho linda a busca por opções mais saudáveis para a dieta, o que muitas vezes significa revisitar os clássicos. Mas me recuso a pagar mais caro porque eles estão na moda de novo. No meu cardápio e no meu guardaroupa, entra aquilo que faz bem para mim, porque meu corpo é único. E eu não sou vitrine.