Após ficar tetraplégico, atleta se recupera e volta a correr

Por João Ortega

Mountain bike
Foto por Fabio Piva - Red Bull Content Pool

Em julho de 2016, o atleta de Mountain Bike José Ilson Pereira Junior, Ilsinho, foi resgatado pós um acidente próximo a Cambuí, Minas Gerais. Confira na íntegra a história de superação publicada nas páginas da Runner’s World Brasil

O acidente

Os dias ensolarados são comuns no inverno da região da Serra da Mantiqueira, no sul de Minas Gerais. Não era diferente aquele primeiro dia de julho em 2016; quando William decidiu dar uma volta com a moto do pai depois do almoço. O garoto de 16 anos saiu de casa, próximo à cidade de Cambuí, quando decidiu, sem motivo aparente, mudar o seu trajeto usual.

Algo que não sabia explicar o guiava: saiu da estrada principal e virou à esquerda, em uma trilha pela qual não passava havia muito tempo. Subiu e desceu um morro, até chegar a um ponto onde pensou em dar meia-volta e retornar. Mas uma voz na sua cabeça lhe disse para seguir um pouco mais adiante.

De súbito, surgiu na sua frente uma bicicleta abandonada próximo a uma cerca de arame. Do outro lado, um homem no chão. William desceu da moto e correu para ajudá-lo. Calmo, o ciclista acidentado lhe explicou que não conseguia mover o corpo e pediu para que o garoto fosse buscar o resgate. Sem titubear, subiu na motocicleta e acelerou, para encontrar ajuda e salvar uma vida; tarefa que a ele foi designada por aquela voz silenciosa que sussurrava na sua cabeça no caminho até o local do acidente.

Um campeão sobre rodas

William desconhecia o motivo pelo qual uma força maior uniu seu caminho ao de José Ilson Pereira Júnior, o ciclista que passou seis dias em coma induzido, em um total de quase um mês na UTI, onde foram diagnosticadas as lesões nas vértebras C4 e C5 da coluna cervical, configurando tetraplegia. Quando o paciente recebeu alta do corpo médico de um hospital da cidade de Pouso Alegre e começou sua recuperação em casa, recebeu uma visita de William e ambos começaram a conversar.

Ilsinho, como gosta de ser chamado, revelou ser um dos principais nomes do mountain bike brasileiro. Contou que chegou ao 1º lugar do ranking nacional do esporte em 2011 e já representou o país em dois campeonatos pan-americanos. Um na Guatemala (2010) e outro na Argentina (2013). William ouvia com atenção e curiosidade os casos das mais de 40 vitórias em corridas e 11 títulos nacionais conquistados pelo atleta.

Uma história de amor com o mountain bike

Hoje com 27 anos de idade, Ilsinho começou sua jornada sobre duas rodas quando ainda era um adolescente e trabalhava como entregador de jornal em Cambuí, onde morava. Todos os dias, rodava quilômetros na cidade, subindo e descendo as colinas, trazendo as notícias do dia, sem se importar com a bicicleta pesada ou com a carga de mais de 20 kg que levava.

O ano era 2005, e José Ilson chamou a atenção dos atletas de mountain bike que treinavam na região. “Disseram que eu tinha biótipo bacana para o esporte, que eu andava bem de bicicleta, tinha bom condicionamento físico”, contava o atleta ao garoto que salvara sua vida. “Com 15 anos, comprei minha primeira mountain bike, fui melhorando ela e participei da minha primeira competição aqui em Cambuí. E, daquele dia em diante, não tive dúvida de que era aquilo que eu queria para minha vida.”

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Desde então, Ilsinho se tornou um atleta de alto rendimento. Praticava esportes todos os dias, intercalando treinos de corrida, natação e ioga com as longas horas em duas rodas. Naquele dia ensolarado de inverno, fazia seu treino por uma rota que conhecia muito bem; mas na qual tinha sido colocada uma cerca na mesma semana do acidente.

A força da mente

William não se cansava de ouvir sobre as conquistas de Ilsinho. Não era comum para o garoto conhecer – e salvar – um campeão do mundo dos esportes. “Quando eu te encontrei, caído no chão, você estava tão calmo”, apontou. “Era como se soubesse que eu iria ao seu resgate.”

Ilsinho explicou que, para um atleta, a força mental é tão importante quanto o condicionamento físico. “Usei técnicas de ioga e meditação para me manter calmo, já que minha respiração estava comprometida”, explicou. “Naqueles 40 minutos que fiquei no chão, a única coisa em que eu pensava era em ficar vivo para poder ver minha filha, Maria Alice, novamente.”

Na UTI, o foco era o mesmo, não importava o quão distante parecia a recuperação. “Sabia que estava tetraplégico; não tinha movimentos no corpo. Mas sabia da importância do treino mental e de tudo o que estudei sobre ioga, meditação e o poder da mente – e foquei nesses exercícios”, contou o atleta.

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William se despediu de Ilsinho depois da longa conversa. Tinha a certeza de que logo o atleta estaria de novo em pé; pedalando sobre duas rodas e carregando a filha no colo. Pois aquela voz que lhe disse em uma tarde ensolarada para continuar naquele caminho improvável foi tão forte quanto a vontade de Ilsinho e, portanto, nada seria um obstáculo insuperável diante dela.

Correndo contra o atraso

Menos de um ano depois do acidente, Ilsinho participou da sua primeira prova oficial de corrida, a Wings for Life World Run, no Rio de Janeiro. O evento é mundial e tem caráter beneficente, com o objetivo de levantar dinheiro para pesquisa da medula espinhal. A evolução científica nesse campo promete ajudar pessoas que, como ele, perderam a capacidade motora do corpo por conta de acidentes na coluna cervical. “Foi uma honra muito grande ter participado por tudo o que o evento significa e promove”, diz.

Em maio de 2017, auxiliado por Thaís, sua ex-muher, de um lado, e uma muleta, do outro, Ilsinho correu 3 km dessa prova em que todos ganham, mas cada um percorre o quanto consegue. Desde então, a sua recuperação vem tendo resultados positivos e surpreendentes. “Hoje eu já estou fazendo treinos leves, andando de bike novamente. Estou em pé. Essas são vitórias muito grandes”, conta o atleta. “As pernas já estão cerca de 90% recuperadas. O braço esquerdo é o que está mais atrasado, mas segue evoluindo também.”

“A minha dificuldade hoje, principalmente, são as forças nos braços e no ombro. Não posso andar muito rápido por causa disso. Mas é questão de tempo. Com o tempo, meus braços estarão melhores, e quem sabe eu poderei competir nas categorias normais?”, prevê Ilsinho. O mineiro, atualmente, organiza o Circuito Mantiqueira de Mountain Bike e dá palestras sobre motivação e resiliência.

Perseverança

Com os objetivos de estar totalmente recuperado até o fim deste ano e competindo em alto nível em 2020; Ilsinho se sente confiante para o futuro e não perde, nem por um segundo, sua fé no esporte. “Não espere nada em troca da sua dedicação ao esporte, que você recebe mais do que jamais imaginou. Não existe dinheiro; não existe nada que poderia me dar a cabeça e a mentalidade que eu aprendi com o esporte. E foi essa mentalidade que me fez levantar da cama”, conclui.