Veganismo e longas distâncias podem funcionar!

Por Maria Clara Vergueiro da Runner's World Brasil

dieta vegana
Foto: Shutterstock

Ainda nem estávamos vivendo neste século quando o ultramaratonista norte-americano Scott Jurek resolveu cortar do cardápio todos os alimentos de origem animal. Aos 26 anos, ele dividia treinos e provas com uma rotina pesada trabalhando em hospitais. Lá, acabou convencido de que as pessoas adoeciam muito graças à péssima dieta a que estavam habituadas.

Na verdade, ele próprio vivia repondo as energias com junk food como se não houvesse amanhã. Até que o futuro lhe pareceu próximo. Resolveu investir em uma dieta mais saudável e, aprofundando-se na literatura sobre alimentações vegetariana e vegana disponíveis, escolheu a segunda opção. Isso mesmo, ele adotou uma dieta vegana.

Assim, ele cortou queijos, leite, carnes de qualquer tipo, nada de mel. O ano era 1999, e ser um atleta de longas distâncias já era excêntrico o suficiente. Mas Scott foi além e começou a dizer a plenos pulmões (e com performances consistentes) que sim, era possível correr profissionalmente e em condições extremas sem incluir proteína animal na dieta.

Uma dieta vegana afeta o desempenho?

De lá para cá, Scott tornou-se uma espécie de embaixador mundial do veganismo, lançando em 2013 o livro Eat and Run [Comer e Correr, em tradução livre], um best-seller que tem como objetivo desmistificar a percepção de que a performance esportiva precisa estar ancorada no consumo de carnes para a construção de músculos fortes e mais resistentes.

Especialistas no assunto hoje concordam e assumem que comer ou não carnes e outras proteínas animais é apenas uma questão pessoal. “A maioria das pessoas já entende que não há nenhum perigo em seguir esse modelo alimentar e que os benefícios são muitos, todos comprovados através de estudos e pesquisas”, comenta a nutricionista Alessandra Luglio (ela mesma adepta, há muitos anos, do vegetarianismo).

Nos últimos tempos, ela vem sendo bastante requisitada por atletas que buscam a melhor estratégia para tirar proteínas animais do cardápio. “Boa parte deles se sente muito bem com essa alimentação, que é extremamente energética e antioxidante, pontos fundamentais principalmente para os adeptos de modalidades de endurance”, completa.

Vegetariano, sim!

Me dê motivos

As razões que têm levado cada vez mais pessoas às dietas veganas variam muito. Existe quem se preocupa com questões ambientais – o desmatamento gerado por milhares de hectares destinados a pastos para gado de corte é assustador –, e há os que querem proteger os animais – uma busca na internet sobre a forma com que são tratados frangos, vacas, bois e porcos deixa qualquer um de cabelo em pé.

Ainda temos aqueles que procuram uma alternativa saudável para os excessos alimentares entranhados nos hábitos da nossa sociedade – rodízios de carne definem. O fato é que, no fim das contas, um vegano acaba identificado com todas essas premissas, ainda que não tenha se tornado um adepto por uma causa específica.

O carioca Odin Aguiar de Campos, por exemplo, nunca sequer experimentou algum tipo de carne na vida, mas até cinco anos atrás consumia ovos, leite e derivados. O fato de ser vegetariano desde a infância – graças apenas aos hábitos da casa – não o impediu de travar uma luta contra a balança (e vencê-la): no fim da adolescência pesava 110 kg e, por causa disso, se tornou um corredor.

Combinação saudável

Abraçado pela corrida, Odin começou a ir cada vez mais longe, até virar um ultramaratonista no ano passado. A dieta vegana o acompanha desde 2012, e ele garante que sentiu na pele os bons resultados dessa escolha. “Com a corrida, emagreci bastante, mas ainda mais quando me tornei vegano. Senti uma diferença muito boa. O fato de a alimentação ser mais leve facilitou a digestão. A recuperação muscular também foi melhor porque envolve uma comida menos tóxica para o corpo.

Com isso, Odin foi aumentando a quilometragem e melhorando seus tempos. Hoje, o carioca está adaptado a uma dieta composta por 80% de carboidratos não refinados, 10% de proteínas vegetais e 10% de gorduras vegetais. Feijão, lentilha, grão-de-bico, legumes, arroz integral, frutas variadas, castanhas e sementes não podem faltar em casa.

Saber combinar os nutrientes é fundamental. “Como qualquer outra, a dieta vegana precisa ser planejada, variada e equilibrada. Não adianta retirar os alimentos de origem animal do prato sem repensar todo o contexto desse novo modelo, pois não há um alimento que substitua de forma única e integral os outros”, sugere Alessandra.

Overdose

Quando se trata de performance e intensidade, a conta é alta. O gasto energético fora da média pede um consumo também maior de nutrientes. Marcio Farias é triatleta há 19 anos e contabiliza 14 participações no Ironman. O interesse por uma alimentação mais funcional, que acompanhasse seu ritmo de treinos, veio naturalmente até descobrir o veganismo.

Para ele, o maior desafio foi combinar a carga de treino exigida pelo triatlo a uma alimentação equilibrada e prática. “Meu intestino não suportou bem a quantidade de feijões e leguminosas que eu precisava ingerir para garantir a demanda de proteína do meu corpo”, conta o comerciante. Depois de um tempo, Marcos preferiu ser apenas vegetariano, voltando a comer ovos e derivados de leite.

Ele viu sentido em se manter vegano enquanto consumia tantos suplementos esportivos. “Embora acredite que a dieta vegana seja simples, barata e muito nutritiva, acho importante procurar um profissional que a ajuste ao estilo de vida e características físicas de cada um”, aconselha.

As demandas proteicas de um atleta são as mesmas, seja ele vegano ou onívoro. Apesar disso, as fontes nutritivas se distinguem em um e outro caso, o que se reflete na composição das refeições e no volume delas. “Alimentos vegetais fazem mais volume no prato do que os de origem animal e normalmente são menos calóricos também. Por isso, as refeições veganas tendem a ser maiores que as onívoras”, calcula Alessandra.

7 dicas para corredores vegetarianos

Olho vivo

Desmistificar a premissa de que os alimentos de origem animal são a única fonte de proteína realmente eficiente para atletas com alto gasto energético já não é lá uma tarefa simples. O passo seguinte é entender como é possível suprir as necessidades individuais de ferro e vitamina B12, nutrientes importantíssimos para a saúde de qualquer pessoa e presentes em grandes quantidades em peixes, ovos, queijos e carne vermelha.

As mulheres, em especial, têm uma necessidade ainda maior de ferro, já que perdem parte do “estoque” durante os períodos menstruais. Se é possível manter os níveis de ferro sob controle consumindo vegetais verde-escuros, leguminosas, sementes e castanhas, o mesmo já não se pode dizer sobre a vitamina B12.

“Esse é o único nutriente que não se garante a partir de uma alimentação à base de vegetais”, explica Alessandra, “mas a suplementação também não é uma regra, já que cada pessoa possui seu estoque e metaboliza a vitamina B12 de uma forma individual”.

Portanto é importante o acompanhamento com exames de sangue a cada seis meses e, se houver indicação médica, fazer uso de suplementação.” Isso vale tanto para quem não consome alimentos de origem animal como para quem os consome: mesmo em onívoros é muito comum a carência de vitamina B12, provocada seja por uma dieta empobrecida, seja por estresse ou problemas na absorção dessa vitamina.

Alimentação rica e variada, exames periódicos, suplementação quando necessário e um sistema digestivo saudável são fundamentais para a absorção da B12.

Palavra de expert

Alessandra Luglio é vegetariana e nutricionista há 20 anos, com ampla experiência em nutrição esportiva. Leia as dicas de ouro dela antes de embarcar de cabeça em uma reeducação vegana

>> Para começar

Seja você atleta ou não, é essencial consultar um nutricionista. A dieta vegana precisa ser planejada e adaptada à sua realidade. Uma boa orientação é fundamental. O período de adaptação varia de uma pessoa para a outra: alguns retiram todos os alimentos de origem animal de uma só vez. Outros preferem ir aos poucos, começando com as carnes e evoluindo para os ovos e laticínios.

De qualquer foram, é importante fazer tudo no seu tempo, respeitando seu organismo para que a adaptação seja bem-sucedida. “Outro ponto importante é se informar! Leia sobre o assunto, pesquise, estude os alimentos e produtos que costuma consumir. Assim você se torna mais consciente das suas escolhas alimentares. Quanto mais bagagem você tiver, mais fácil será a adaptação”.

Outra boa dica é: vá para a cozinha. Quebre o paradigma de que a culinária vegetariana/vegana é sem graça. As opções são inúmeras e tudo é muito adaptável.

>> Indispensáveis

“Não existe nenhum suplemento totalmente indispensável na dieta vegana, mas devemos comer de forma variada, incluindo todos os grupos alimentares. Os suplementos proteicos são práticos para aumentar o aporte de proteína durante o dia. Normalmente é possível que esse aporte seja garantido somente através da alimentação tradicional, assim ele não se faz obrigatório. Todos os alimentos conhecidos como superalimentos são de origem vegetal.

Isso porque são muito ricos em vitaminas, minerais, fibras, antioxidantes e compostos bioativos. Eles desempenham funções essenciais para a saúde celular e o bom funcionamento do organismo. As castanhas e sementes, as frutas e as algas são apenas alguns exemplos desses alimentos.

As leguminosas (feijões, lentilha, ervilha, grão-de-bico e soja) são fundamentais na dieta vegana. Além de serem as principais fontes proteicas vegetais, são fontes de micronutrientes importantes, como cálcio, ferro e zinco.”

>> Recuse imitações

“Não copie a dieta do colega! Dessa forma podem ocorrer carências de determinados nutrientes. Variedades e quantidades certas dos alimentos precisam ser respeitadas. Outro erro comum é retirar a carne ou o ovo do prato e substituir por alimentos muito ricos em energia, como batata, massa e arroz. É preciso repensar toda a estrutura do prato para garantir o aporte ideal de todos os nutrientes.”