Fredison Costa: o atual heptacampeão da Maratona da Disney

Por João Ortega, da Runner's World Brasil

Fredison ao conquistar o primeiro lugar da Maratona da Disney em 2011. Foto: Matt Stroshane/Disney via Getty Images)

Domingo (13), foi realizada a Maratona da Disney 2019 e o brasileiro Fredison Costa se consagrou o grande campeão com o tempo de 02h18min45. Essa foi a sétima vez em que o atleta venceu a competição, à frente dele está o também brasileiro Adriano Bastos, que venceu a maratona oito vezes. Em 2018, a Runner’s World Brasil conversou com o corredor e publicou a sua história na nossa edição de outubro. O resultado desse bate papo você confere aqui.

Fredison Costa: o atual heptacampeão da Disney

Passando férias em Piedade, no interior do Estado de São Paulo, onde viveu a maior parte da sua vida, o atleta profissional Fredison Costa inevitavelmente se recorda dos momentos marcantes da sua infância. As memórias, embora distantes, se tornam quase reais: a dor nos pés pisando sobre pedregulhos e a sensação da borracha da sandália nas mãos. “Voltava correndo da escola descalço, carregando os chinelos, porque era mais rápido, mas principalmente para não gastar o calçado”, relembra. “Minha infância foi assim, ativa. Sempre gostei de suar.”

Fredison nasceu em 1977 no município de Riachão do Jacuípe, na Bahia. Aos 15 anos de idade se mudou para Piedade com os tios. Para ir do sítio onde morava até a escola, eram 8 km de caminhada, subindo e descendo morros. Todos os dias, além de estudar, o garoto trabalhava na lavoura, onde suas lembranças também são preenchidas de muita correria, sempre com um trabalho a fazer.

Correr sempre fez parte da vida de Fredison. A corrida, não. Foi só aos 20 anos de idade que o baiano descobriu o esporte. Na Festa das Cerejeiras, tradicional evento de Piedade, ele participou de uma prova de 3 km e foi campeão sem dificuldades. A sensação da vitória pela primeira vez, os elogios da comunidade, o lugar mais alto do pódio, a premiação… Todas essas memórias da juventude emocionam o atleta: “Lembro que comprei meu primeiro tênis, um ‘kichute’, para essa corrida. Quando venci a prova, foi uma felicidade. A premiação para o vencedor eram caixas de sabão em pó, bolacha, miojo. Ajudou muito lá em casa”.

Um caminho a seguir

Depois da corrida da Festa das Cerejeiras, o esporte ocupou a cabeça de Fredison para nunca mais sair. Decidiu levar o esporte a sério e encontrou um treinador do Sesi de Votorantim, cidade a cerca de 30 km de Piedade, onde podia treinar em uma pista de atletismo. “Eu era um garoto sonhador e coloquei na minha cabeça que queria me tornar um grande campeão”, diz.

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Na Maratona do Rio de Janeiro 2017, quando terminou em 9º lugar. Foto: Divulgação

Há duas décadas, porém, a corrida não era uma prática tão comum como é hoje. Apesar de trabalhar oito horas por dia na lavoura, Fredison começou a ser taxado de “desocupado” na região por ser visto sempre correndo no seu tempo livre. “Quando me via correndo, tinha gente que gritava: ‘Vai trabalhar, vagabundo!’. Eu era tratado como um louco”, relata o atleta. “Era tão humilhante que às vezes eu treinava escondido no sítio dos meus tios. Cheguei a parar de correr duas ou três vezes, mas uma voz que vinha do coração dizia para eu continuar correndo.”

A identificação com o esporte foi tamanha que Fredison decidiu fazer faculdade de educação física e se tornou personal trainer. Aprendeu técnicas para se desenvolver ainda mais na corrida, mas os recursos ainda eram escassos. Precisava economizar para pagar condução e inscrição em provas. Até que, em 2009, recebeu o incentivo de que precisava. Afinal, como ele mesmo diz, “ninguém chega a lugar nenhum sozinho”.

Começo da mudança

Na faculdade, um de seus alunos, Carlos Zaim, era diretor de uma multinacional e notou nele um grande potencial para provas mais longas. “Ele viu uma oportunidade de estampar a marca dele e me incentivou muito a correr uma maratona”, conta Fredison. “Eu treinava muito, mas não tinha relógio com GPS nem nada. Aí, quando recebi esse apoio, comprei o equipamento e descobri que corria mais de 30 km por dia.”

A estreia nos 42 km foi dura – o percurso da Maratona das Praias de Bertioga de 2009, no litoral paulista, passa por trechos de areia, montanha e trilha –, mas vitoriosa. Fredison terminou a prova em 2h28min30 e ficou no lugar mais alto do pódio.

“Dali para frente, eu chamei a responsabilidade. Conversei com o patrocinador e disse que queria correr a Maratona de Buenos Aires, que iria acontecer apenas 28 dias depois da prova em Bertioga”, conta o corredor. E, na sua primeira oportunidade fora do país, não decepcionou: ficou em 5º lugar geral da prova, com o tempo de 2h21, superando centenas de atletas profissionais do mundo todo.

Quando Fredison venceu a Maratona da Disney 2015. Foto: Preston Mack/Disney Parks via Getty Image

Decolando

Patrocínio, ouro na maratona, pódio internacional: aos 33 anos de idade, Fredison tinha acumulado uma bagagem e um currículo que, para aquele garoto do interior da Bahia, um dia pareceram distantes. Entretanto o apoio que ele recebia de marcas não era suficiente para manter a família – nessa época, já era casado e tinha dois filhos. Por isso continuava trabalhando como personal trainer e não se considerava um atleta profissional.

Foi no início de 2010 que ele recebeu um convite que traria novos rumos à sua vida mais uma vez: correr a Maratona da Disney, na Flórida. O brasileiro ficou em 2º lugar da prova e não se acomodou com o resultado. Ao término da corrida, ele concedeu uma entrevista à organização e afirmou: “Volto ano que vem para vencer”.

Dito e feito. Em 2011, mais experiente após completar a Maratona de Berlim e a Maratona de São Paulo, Fredison foi o campeão na Disney, com o tempo de 2h21min15. Tornou-se o queridinho dos norte-americanos por ter cumprido a promessa feita no ano anterior e criou um laço afetivo com a prova. Até 2014, teve mais duas vitórias e outra medalha de prata (em 2013).

A mudança para os Estados Unidos

Foi exatamente por sua boa relação com organização e público, além, é claro, do grande desempenho na rua, que ele recebeu um convite para treinar no ESPN Wide World of Sports. Esse complexo esportivo em Orlando, na Flórida, conta com todo o aparato necessário para a prática com excelência em mais de 50 esportes. “O diretor esportivo da Disney, Paul Lambert, me convidou para treinar no complexo sob o comando do treinador Brooks Johnson”, explica Fredison. Johnson é uma lenda do treinamento de corrida, trabalhando com atletas olímpicos desde 1960, e hoje treina corredores como Justin Gatlin.

“Era uma honra poder treinar com ele nesse centro de excelência, mas o grande motivo para eu ir morar em Orlando era a educação dos meus filhos. Eles puderam estudar nos EUA e aprender inglês e espanhol. Os patrocinadores pagaram minha moradia e eu levei toda a família”, recorda o maratonista. A partir daquele momento, aos 36 anos de idade, Fredison se tornou oficialmente um atleta profissional.

Resultados

Com dedicação total à corrida, os resultados apareceram cada vez mais. No Estado da Flórida, Fredison venceu praticamente tudo o que disputou: quatro medalhas de ouro na Meia Maratona de Jacksonville; tetracampeão na Meia Maratona de Mount Dora; seis vezes campeão na Maratona da Disney, entre outros títulos. O brasileiro foi inclusive considerado, em 2016, um dos 100 esportistas mais importantes da Flórida pelo jornal Orlando Sentinel (em uma lista que contava com o brasileiro Kaká, então jogador de futebol atuando no Orlando City).

Hoje com patrocínio da New Balance, Fredison está acostumado a viajar para correr as maratonas mais importantes pelo mundo. “Já corri em Berlim, Londres, Nova York… Eu gosto de correr as provas grandes porque preciso de desafios”, revela. Embora se sinta em casa em Orlando, o Estado da Flórida já ficou pequeno para ele. “Ganhar é sempre bom, mas chega um momento que você precisa de desafios mais difíceis. Não quero entrar na zona de conforto.”

Aos 41 anos, Fredison ainda tem muito gás para dar na corrida. Mas já projeta se tornar “um grande coach” no futuro. “O esporte vai muito além de cruzar a linha de chegada em 1º lugar. Eu coloco meu coração no esporte, e ele me dá tudo em troca. E é esse espírito que quero passar para os mais jovens”, diz.