Na cola da elite

Seis atletas olímpicos revelam seus segredos para arrasar em treinos e provas

Meb Keflezighi. Foto: Embry Rucker.

Por Cindy Kuzma

Quando os melhores maratonistas do mundo alinharam na largada do Sambódromo, no Rio, a equipe norte-americana tinha uma vantagem em relação à maioria dos seus rivais olímpicos: eles já haviam enfrentado a pressão de uma competição em que é tudo ou nada – onde ficar entre os três primeiros é o que importa – e tinham vencido. Eles haviam passado pelas seletivas norte-americanas para os Jogos.

Leia mais:

4 lições de corredores experientes
+Lições da maratona olímpica

Enquanto a maioria dos países conta com comitês e recordes para selecionar seus maratonistas olímpicos, os Estados Unidos escolhem seus três atletas homens e três mulheres nessa prova seletiva, uma espécie de “peneira” que já coloca o corredor à prova. E cinco desses seis atletas ficaram no top 10 da maratona olímpica no Rio: Galen Rupp conquistou a medalha de bronze ao completar os 42 km em 2h10min05. Jared Ward ficou com a 6ª colocação, com 2h11min30 e Meb Keflezighi ficou em 33º lugar, com 2h16min46. Entre as mulheres, Shalane Flanagan terminou em 6º lugar, com 2h25min26, Desiree Linden ficou logo atrás, em 7º, com 2h26min08, e Amy Cragg em 9º com 2h28min25. Confira a seguir lições úteis sobre a linha tênue entre o sucesso e o fracasso na maratona.

Ajuste o treinamento

Com seu 2º lugar nas seletivas, aos 40 anos, Meb Keflezighi selou sua quarta participação olímpica desde 2000. Mas Meb não está imune à passagem do tempo, nem sua longevidade é por acaso. Ele treina duro para se manter saudável e fez ajustes no treino que foram determinantes. Antes de sua vitória de 2014 na Maratona de Boston, por exemplo, ele trocou os ciclos de sete dias para um programa mais tranquilo de nove dias, a fim de garantir boa recuperação entre os treinos pesados. O ciclo de nove dias inclui três sessões- alvo – um treino intervalado, um tempo run (corrida ritmada) e um longo –, cada uma seguida de dois dias de recuperação, explica Scott Douglas, coautor (com Meb Keflezighi) do livro Meb for Mortals.

E, se Meb não se sentisse bem depois de dois dias de descanso, tirava um dia extra de folga antes de seguir adiante. “A questão não é que nove é melhor que sete”, explica Scott. “E, sim, que é preciso ser flexível.” Essa abordagem não se aplica apenas a corredores mais velhos: Meb teve a ideia em parte por causa de Paula Radcliffe, maratonista que detém o recorde mundial, que usava uma “semana” de oito dias quando estava no auge.

Claro, há uma lógica em usar ciclos de sete dias para corredores amadores, afinal, é como nossa vida está organizada. Você provavelmente terá mais tempo para um treino longo no sábado, assim como chances maiores de encontrar parceiros de treino para acompanhá-lo. Mas é possível pensar em ciclos de duas semanas, com cinco dias de treino forte entre 14 dias. Ou você pode simplesmente adiar treinos quando não se sentir totalmente recuperado.

Defina uma meta por temporada

Embora fosse sua primeira maratona, Galen Rupp parecia confortável para vencer as seletivas com mais de um minuto de vantagem. Um mês mais tarde, ele estava correndo 3.000m no Campeonato Indoor USA Track & Field, tentando se classificar para o Campeonato Mundial de Atletismo da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF). Dadas suas credenciais, incluindo uma medalha olímpica com 7min30s16 nos 3.000m em pista coberta, daria para imaginar que a prova não seria um problema. Mas Galen ficou para trás, terminando em 8o lugar.

O resultado foi um lembrete de que nem os melhores corredores podem ganhar tudo. É preciso escolher quais metas são as mais importantes. No caso de Galen, o objetivo principal era conseguir índice para a maratona olímpica. “Não guardo arrependimentos”, ele disse depois da prova. E, com tempo para treinar e se recuperar, ele estava de volta ao auge nas seletivas norte-americanas em pista, em julho: venceu os 10.000m e se classificou para a final dos 5.000m.

É fácil se distrair com metas conflitantes: você quer o recorde pessoal nos 5 km, índice na maratona para se classificar para Boston e fazer aquela prova que alia corrida e turismo. Escolha uma meta principal por temporada e leve em consideração se corre o risco de boicotá-la se tiver uma meta secundária. Em parte, é isso que torna as provas olímpicas tão atraentes. Para todo mundo na largada, essa é a competição mais importante do ano e, quem sabe, da vida.

Tenha um plano e siga-o até o fim
Foto: Jarem Wilkey.

Os fatores que determinam o ritmo ideal para uma maratona são tão complexos que dariam uma tese sobre o assunto – e foi o que Jared Ward fez para seu mestrado em estatística, ao analisar os tempos parciais de 5.000 atletas de uma maratona. A pesquisa dele foi motivada por sua estreia nos 42 km, em 2013, quando Jared fez sinal de “joinha” para a esposa na metade da prova, mas ficou com a visão escura e cambaleou nos últimos quilômetros. O insight mais importante que ele teve: focar mais em seus próprios limites do que reagir aos corredores ao redor ou à emoção da prova.

Depois do Km 24 da Maratona de Los Angeles, nas seletivas, quando Tyler Pennel apertou o passo e se separou do pelotão, Jared Ward sabia que não poderia acompanhá-lo. Ele caiu para 4o lugar e focou em atingir o ritmo mais rápido que conseguisse manter com segurança. Esse pace era veloz o bastante para alcançar Tyler pouco antes do Km 33 e ficar entre os três primeiros. Na prova feminina, Desiree Linden manteve seu planejamento de séries de 3min30/km (baseada nos seus treinos e condições climáticas), mesmo tendo que deixar as três primeiras abrirem uma diferença no meio da competição. Se seu objetivo é manter determinado nível de esforço ou ritmo, precisa de confiança e experiência para se adaptar às circunstâncias – porque, se você tentar correr a prova de outra pessoa, vai pagar o preço nos últimos quilômetros.

Resista à tentação de acelerar

Não é coincidência que as primeiras arrancadas tanto na prova feminina quanto na masculina das seletivas tenham vindo de maratonistas relativamente inexperientes, ambos em sua segunda maratona. Tyler Pennel, 28 anos, com uma marca anterior de 2h13min32, assumiu a liderança por volta do Km 24; Kellyn Taylor, 29 anos, que estreou com 2h28min40 em 2015, estava na frente no Km 13. Mais uma coisa que tinham em comum: o ritmo parecia fácil para eles naquele momento.

“Quando assumi a liderança, não desembestei feito louco”, disse Kellyn, que acabou caindo para 6o. “Estava relaxado e confortável até que o calor me derrubou.” Tyler, que terminou em 5o, deu a mesma explicação para sua arrancada não planejada: “O percurso é ligeiramente em declive, então relaxei e corri do jeito que achava confortável”. Daí, quando percebeu que estava abrindo vantagem, “confesso, deixei a emoção tomar conta de mim”, conta.

É normal a prova ser fácil até um pouco depois da metade. A maratona não é como as distâncias menores, em que a dor é distribuída quase que uniformemente ao longo do percurso. Nela, o sofrimento se concentra nos quilômetros finais. É preciso recalibrar suas expectativas e resistir ao impulso de acelerar apenas porque está se sentindo bem. Essa é uma lição da qual Tyler e Kellyn não vão se esquecer. “Com minha inexperiência, não foi uma boa ideia estar na frente”, Kellyn disse depois da prova. “Lição aprendida.”

Vá mais longe com um amigo

Uma imagem memorável das seletivas foi a campeã Amy Cragg, esperando para correr com Shalane, sua parceira de treino, quando ela começou a ter dificuldades. Elas correram lado a lado, parecendo às vezes uma corredora só. Se a presença de Amy ajudou? É quase certeza que sim.

Um estudo com remadores da Universidade de Oxford (Reino Unido) revelou que a tolerância deles à dor, medida com um manguito de pressão arterial apertado, foi maior depois de um treino feito com seus colegas de equipe que quando realizado sozinho. O vínculo entre os parceiros pode atuar como um “placebo social”, conta Emma Cohen, antropóloga cognitiva e evolucionista de Oxford. Saber que temos colegas por perto desencadeia mudanças na química cerebral que nos ajudam a enfrentar a dor e a fadiga, talvez porque saibamos que a ajuda está perto se pegarmos muito pesado.

As passadas sincronizadas de Shalane e Amy podem ter funcionado como uma importante ferramenta de “apoio social”, diz Emma. Em outro trabalho, ela e suas colegas demonstraram que atletas se saíram melhor em testes de corrida quando realizaram aquecimento com um parceiro – e melhoraram ainda mais quando esse aquecimento foi sincronizado com o do colega e incluiu exercícios dinâmicos ritmados (os mesmos efeitos de química cerebral podem explicar por que adoramos dançar). Correr pode ser um esporte individual, mas é mais divertido (e rápido) com os amigos.

Fique longe do sol do meio-dia
Shalane Flanagan. Foto: shutterstock.

Com um recorde pessoal de 2h21min14, Shalane Flanagan era a atleta mais rápida entre as mulheres das seletivas. Mas a 5 km da chegada, teve problemas. “Fiquei tonta, senti calafrios, zumbido no ouvido, não conseguia enxergar direito”, afirma. Ela estava seriamente desidratada e com hipertermia quando cruzou a linha de chegada. Se todos sabiam que estaria quente, por que uma veterana como Shalane foi pega de surpresa?

Embora os efeitos da temperatura e da umidade sejam conhecidos, um terceiro fator no calor, a radiação solar, é geralmente ignorado. A maioria das maratonas começa cedo, mas a seletiva feminina foi iniciada às 10h22 da manhã, deixando as corredoras expostas ao sol do meio-dia. Um estudo publicado este ano revelou que níveis de radiação solar de 800 watts por metro quadrado, o equivalente a um dia claro de sol, reduzem pela metade o tempo até atingir a exaustão, em comparação com um teste realizado às mesmas temperatura e umidade, mas sem exposição ao sol.

Se tiver que correr sob o sol do meio-dia, diminua o aquecimento para evitar começar com o corpo em temperatura alta, diz o pesquisador Ronald Maughan, um dos autores do estudo sobre radiação solar. Procure a sombra, mantenha-se hidratado e, se for usar boné, certifique-se de que possui boa ventilação.

E nada substitui a experiência. Após as seletivas, em que terminou na 3ª colocação, Shalane treinou em uma câmara de calor no Centro de Treinamento Olímpico em Colorado Springs (EUA) para definir seus planos de hidratação e ritmo para os Jogos do Rio, onde uma largada às 9:30 da manhã poderia apresentar os mesmo desafios.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here