7 pilares da corrida que vão te ajudar a correr melhor

Por Alex Hutchinson, colunista da Runner' s World

pilares da corrida para correr melhor
Foto: Shutterstock

Eu passei anos mergulhando nas profundezas de qualquer assunto no qual esportes de resistência se deparam com o buraco negro da ciência, da incrível capacidade aeróbica da elite dos cães de trenó ao papel das características psicológicas na percepção da seriedade de uma dor muscular pós-exercício. Nas novas descobertas, é fácil se perder entre tantos detalhes – focar apenas nos últimos estudos e não nos padrões que vão emergindo ao longo do tempo. Então eu sintetizei aqui sete pilares da corrida para correr melhor. Isto é, o que anos de imersão na ciência do exercício me ensinou sobre como podemos melhorar nossa corrida.

Pilares da corrida para correr melhor

1Correr é bom “com moderação”, o que normalmente é definido como “muito mais do que você tem feito”.

Alguns dos debates mais inflamados que vi entre corredores nos últimos anos surgiu como resposta à onda de manchetes do tipo “correr muito vai te matar” que rechearam a mídia com novas pesquisas e algumas mortes trágicas em maratonas alguns anos atrás. Como corredor e jornalista de corrida, minhas próprias inclinações eram óbvias, mas tentei avaliar as evidências científicas da forma mais clara possível – mesmo que fosse apenas para o meu próprio interesse e longevidade. Escrevi uma análise detalhada sobre o debate ao redor da corrida e o bem-estar do coração, que foi publicada na edição de junho de 2017 da Runner’s World norte-americana.

De muitas formas, o debate se centrava na questão de quanto é “muito”. Parece razoavelmente claro que correr, digamos, oito horas por dia provavelmente não causará nenhum benefício adicional à saúde em comparação a correr uma hora por dia – e pode, de fato, deixá-lo menos saudável. Mas há desvantagens, como alguns estudos argumentaram, em correr até mesmo quantidades relativamente modestas, como 30 km por semana?

Quanto é muito?

No meu ponto de vista, você obtém a maior parte dos benefícios da corrida com uma rotina bastante modesta de, por exemplo, 20 a 30 minutos cinco vezes por semana. Suspeito que um programa mais rigoroso, de cerca de uma hora ao dia com alguns treinos intervalados mais intensos, ofereça benefícios adicionais no longo prazo. Se fizer mais do que isso é porque você gosta. Mas, mesmo nesse caso, você certamente não estará correndo em direção a uma morte prematura.

Vários outros supostos perigos da corrida também foram exagerados. Mas, não importa com que frequência eu escreva sobre pesquisas que demonstrem que corredores estão, ao contrário do que se crê, muito menos propensos a desenvolver artrose nos joelhos que os não corredores, as pessoas continuarão duvidando. Tudo bem, mas não deixe que ninguém o desencoraje de correr para preservar suas articulações. E não me venha com alguma alegação pseudocientíficas; como a ideia de que correr com moderação vai destruir sua tiroide ou deixá-lo gordo.

A conclusão? Uma infinidade de estudos mostra que correr (e exercícios de resistência de forma geral) ajuda a reduzir o risco ou a gravidade de uma ampla gama de doenças, de glaucoma a Alzheimer – e quanto mais você correr, mais distante ficará delas. Correr também faz você se sentir melhor. Então continue correndo – e se desconecte do blá-blá-blá.

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2Se vier em pote, provavelmente não o deixará mais rápido ou saudável.

Tomei muitos comprimidos durante anos. Na universidade, além de multivitamínicos, antioxidantes e, de vez em quando, erva equinácea; traguei uma solução botânica de sabor asqueroso chamada Matol. Nosso técnico de pista nos dava todas as noites. Mais tarde, lutando para me livrar da lesão “joelho de corredor”, gastei uma pequena fortuna em suplementos de glucosamina e condroitina.

Eles funcionaram? Bem, eu me recuperei de todos os resfriados que peguei. Do mesmo jeito, meu joelho também sarou. Esse é o resultado da maioria das doenças. Também é a razão pela qual a indústria de suplementos é multibilionária. Mas as evidências contam uma história diferente.

Quando cobri o campo da ciência do exercício pela primeira vez para a Runner’s, um dos meus principais interesses era escrever sobre os suplementos que mais turbinavam a performance. Com o tempo, percebi que os animadores resultados de pequenos estudos sobre novos suplementos nunca pareciam protagonizar outros estudos mais abrangentes. E também comecei a ver dados sugerindo que muitos suplementos, inclusive antioxidantes como a vitamina C, podiam ter efeitos negativos, como inibir ganhos de condicionamento provenientes do treinamento.

O que pode ajudar?

Há algumas exceções: cafeína funciona; suco de beterraba parece funcionar; e talvez beta-alanina e bicarbonato de sódio também. Para quem mora longe do Equador, comprimidos de vitamina D no inverno podem ser uma boa pedida. Mas, em geral, estudos têm concluído que micronutrientes em forma de pílula raramente proporcionam os mesmos benefícios que quando ingeridos em suas formas naturais, diretamente dos alimentos. Pelo simples fato de que comer peixe é melhor que tomar óleo de peixe, comer beterraba, rica em nitrato, é melhor que tomar comprimidos de nitrato.

Pesquisas ainda sugerem que o ato de tomar uma pílula te deixa menos propenso a realizar intencionalmente outras formas de comportamento saudável. Você pode tomar um multivitamínico como “proteção” contra a possibilidade de não ingerir frutas ou verduras o suficiente, mas, fazendo isso, parece que dá a si mesmo uma autorização para não se preocupar em comer aquela cenoura ou maçã na hora do almoço.

A melhor abordagem, do meu ponto de vista, é se livrar de qualquer tipo de muleta. Você não precisa de comprimidos para correr rápido e, na maioria das vezes, eles parecem não funcionar. Foque, em vez disso, em comer bem. Em dormir o suficiente. Em treinar com inteligência. Em se movimentar durante o dia. Em passar tempo ao ar livre.

3A melhor tecnologia para monitorar os treinos é o aparelho que você tem entre suas orelhas.

Amo dispositivos tecnológicos e já escrevi muito sobre como usar dados, como variação de batimentos cardíacos, para controlar os treinos e monitorar a fadiga. Também já escrevi sobre a misteriosa capacidade dos relógios com GPS estimarem seu VO2 máximo. Mas a verdade é que, apesar de todo o avanço da tecnologia dos últimos cinco anos, minha fé na habilidade de ele produzir conhecimentos úteis diminuiu.

Não é que eu pense que a tecnologia e os dados a ela associados sejam inúteis. Pelo contrário, é que eu acho que nossas capacidades inatas para monitorar nosso ritmo, cansaço, carga de treinamento e outros parâmetros são geralmente subestimadas. Um dos estudos mais interessantes com que me deparei foi uma meta-análise de 56 estudos que descobriu que medidas subjetivas (como simplesmente perguntar como você se sente) eram capazes de detectar mudanças na carga de treinamento de forma mais sensível que medidas objetivas (como níveis hormonais, marcadores de inflamação e danos musculares, sistema imunológico etc.).

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Atente-se aos sinais

Também acho que o técnico de corrida Steve Magness tinha bons questionamentos quando escreveu que correr com GPS “afrouxa o elo entre percepção e ação”. Em vez de apertar o ritmo ou ir mais devagar, de acordo com as suas sensações, você atua com base no feedback de um dispositivo que está proporcionando uma estimativa imperfeita das suas sensações. Faça isso com muita frequência e você pode acabar se tornando menos capaz de detectar diferenças sutis de sensação que podem ser a margem entre uma corrida ok e uma excelente.

Não é um argumento antitecnológico para acabar com seus eletrônicos. Há ocasiões em que um aparelho de GPS pode ser de ótima ajuda para o treino, como quando você estiver fazendo um ritmado longo em um percurso pouco conhecido. E também pode ser muito divertido examinar a informação acumulada por relógios e monitores de condicionamento de ponta. Mas, no fim das contas, você precisa se assegurar de passar tempo suficiente monitorando os sinais do seu próprio corpo para ser capaz de interpretá-los corretamente e de forma efetiva.

4Você provavelmente já se lesionou por treinar muito e muito cedo.

Outro tema que estudei detalhadamente foram as lesões dos corredores, porque eles se machucam muito. Será que dor no joelho é causada por quadris fracos? Quais são os seis sinais que precedem uma fratura por estresse? Homens e mulheres sofrem das mesmas lesões?

Existem, de fato, muitos fatores sutis que podem interferir no risco de se lesionar. Mas se você questionar qualquer pesquisador de lesões, ele acabará dizendo que excesso de uso – muito uso, muito cedo – costuma ser a causa. Uma estimativa que escutei de Benno Nigg, especialista em biomecânica da Universidade de Calgary (Canadá) e guru da corrida, era que “muito, muito cedo” era a causa de cerca de 80% das lesões de corredores.

Há nuances. Uma série de estudos argumenta que “excesso de uso” é um termo confuso. O problema não é, necessariamente, que você fez coisas demais. Pode ser que você tenha feito muito pouco nas semanas anteriores, então o que poderia ter sido uma carga de treinos razoável acaba se tornando uma carga excessiva. Um termo melhor, dizem esses pesquisadores, é “erro de carga de treinamento”.

Afinal, o que causa lesão: volume ou intensidade? 

Repense a carga

Isso não quer dizer que as opções de prevenção e tratamento de lesões sobre as quais você ouviu falar não sejam boas. Na verdade, eu defendi a abordagem da “TV Quebrada” para tratar lesões em determinados contextos. Às vezes vale a pena chacoalhar um pouco apenas para tentar dar uma reorganizada nas coisas.

Mas, em geral, você estará fazendo um favor a si mesmo se atribuir dores incipientes a erros de carga de treinamento – e se reagir adequadamente dando uma reduzida – em vez de simplesmente supor que pode continuar treinando com a mesma carga se fizer mais exercícios de aquecimento. Isso, acredito, é a razão pela qual um estudo recente descobriu que até mesmo conselhos óbvios, dados por uma máquina, podem reduzir as lesões de corrida. Nós sabemos quem é o culpado – às vezes precisamos apenas de um lembrete.

5O treino, o tênis ou o superalimento mágico é aquele que você ignorou ultimamente ou aquele que você nunca provou.

Amo analisar minuciosamente os diferentes tipos de treino – se é melhor fazer um número bizarro ou um número regular de intervalados, se é melhor correr de manhã ou de tarde, se o treino clássico de 20 x 400m tem poderes místicos, e assim por diante. Cada sessão diferente tem encantos diferentes, benefícios diferentes e horrores diferentes – e essa é a questão.

Ao longo da minha vida de corredor profissional, tive a sorte de treinar com uma série de ótimos treinadores, cada um com perspectivas e abordagens diversas. Cada vez que mudava, tinha que me esforçar no começo, depois acabava melhorando e me convencendo de que o “ingrediente que faltava” e que era incorporado pelo novo técnico – intervalados longos e intensos com recuperação completa, ou corridas de ritmo progressivo de
16 km, ou intervalados em “velocidade cruzeiro” com trote rápido como recuperação – tinha me deixado melhor. E, de certa forma, era verdade. Mas, em retrospecto, não acho que era devido às características intrinsecamente fisiológicas do treino. É porque era um estímulo novo para mim.

Menos pode ser mais

Não quero supervalorizar os benefícios da novidade. A corrida é, no fundo, um esporte simples, e sua essência requer apenas que você a coloque em prática. Alguns dos melhores corredores da história tinham planilhas de treinamento extremamente monótonas e simples. Ainda assim, acredito que faz sentido se desafiar de formas novas, tanto mental como fisicamente, em especial se você já corre há muitos anos. Cada treino tem efeitos fisiológicos sutilmente diferentes, e esses efeitos tendem a obedecer à lei dos rendimentos decrescentes, diminuindo depois que você os realiza por um longo tempo.

E acho que esse princípio da novidade se aplica de forma mais ampla que apenas a sua escolha de treino. Há evidências, por exemplo, de que variar entre diferentes tipos de tênis de corrida diariamente está associado a um risco menor de lesão. Presumidamente, é porque você está sofrendo estresses ligeiramente diferentes com cada um dos calçados, e não os mesmos estresses inúmeras vezes. Com a comida acontece a mesma coisa, os benefícios de cada superalimento em particular diminuem em comparação às recompensas globais de uma dieta variada. Conclusão: varie.

6Você provavelmente pode correr melhor. Comece correndo mais.

Houve uma época, não muitos anos atrás, na qual qualquer menção de técnica de corrida “ideal” ou tênis de corrida “mais apropriado” provocava uma disputa de opiniões nas mídias sociais. Embora, de certa forma, essas paixões tenham arrefecido, acho que a ciência da corrida melhora depois desses debates. Desafiamos muitas suposições que costumavam ser dadas como certas, e o mundo da corrida parece ser diferente do que costumava ser. Eu, por exemplo, corro agora com tênis mais leves (pelo menos parte do tempo) do que há dez anos.

No entanto não sofro ao ver alguns dos dogmas que surgiram naqueles anos finalmente desaparecerem. Uma das minhas maiores frustrações foi a crença amplamente difundida de que corredores de todas as formas, tamanhos e velocidades poderiam manter uma cadência de 180 passos por minuto, independentemente do contexto. Já não escuto mais essa afirmação com tanta frequência; da mesma forma, o tom dos debates sobre tipos de pisada e calçados minimalistas parecem menos dogmáticos.

A técnica de corrida realmente importa? Com certeza. Há uma diferença entre estilos de corrida eficientes e não eficientes, mesmo que ela não seja percebida de imediato a olhos vistos, como gostaríamos. E é possível – embora, do meu ponto de vista, ainda não tenha sido demonstrado de maneira confiável – que exercícios e ajustes simples para a passada a tornem mais eficiente e menos desgastante para o corpo.

Mas a verdade é que a maioria dos estudos que descobrem ineficiências óbvias no estilo de corrida envolve corredores relativamente inexperientes. E a melhor forma de melhorar essas ineficiências é simples: correr mais. Não se preocupe com os acabamentos do estofamento dos assentos da sua nave espacial; pelo menos enquanto o motor ainda estiver em construção.

Correr mais devagar pode te deixar mais rápido

7Você é capaz de mais do que pensa, mas chegar até lá leva tempo.

Um tema ao qual voltei repetidamente é o papel do cérebro na determinação dos limites nos esportes de resistência, como a corrida. Comecei com uma curiosidade sobre coisas como VO2 máximo e limiar de lactato; mas os estudos mais interessantes que encontrei foram aqueles que exploravam o porquê de, entre duas pessoas com personalidades aparentemente idênticas, apenas uma triunfa consistentemente.

Isso, na verdade, é o tópico que exploro no meu novo livro e ao qual dediquei um interesse desmedido durante quase uma década. O que antes parecia uma ideia pouco consistente – que motivação e autoconfiança têm um efeito mensurável sobre a performance – agora parece algo bastante claro para mim.

Mas não é como um interruptor que você pode ligar sempre que quiser. Ampliar seus limites mentais é um processo tão trabalhoso quanto o de ampliar seus limites físicos. Um aforismo que gosto de citar é que muitas pessoas superestimam o que podem alcançar no curto prazo (curar todas as lesões sentado no sofá para corredores de 5 km), mas subestimam o que podem alcançar no longo prazo.

Treine o seu cérebro para melhorar a sua performance

Então meu último conselho é continuar estabelecendo objetivos ambiciosos, identificar passos intermediários racionais para levá-lo até eles e desfrutar do processo de busca desses objetivos intermediários – independentemente do resultado final.

*O colunista da Runner’s World Alex Hutchinson é um físico e ex-corredor profissional que se tornou um premiado jornalista especializado em ciência do exercício. Seu novo livro, Endure: Mind, Body, and the Curiously Elastic Limits of Human Performance [Resista: Mente, Corpo e os Limites Curiosamente Elásticos da Performance Humana, em tradução livre], foi publicado em fevereiro de 2018 nos Estados Unidos pela editora William Morrow.