Em uma tarde de sábado de 2006, na cidade de Joinville (SC), Rodrigo Tamazzia fazia de moto o trajeto para o trabalho, como fazia todos os dias. Não houve tempo para desviar quando um carro cruzou a avenida à sua frente em alta velocidade e mudou a sua vida para sempre. A colisão entre a moto e a lateral do veículo arremessou o jovem, na época, de 22 anos – hoje ele tem 33 –, para o outro lado do carro.
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Na queda, Rodrigo lesionou as vértebras C5 e C6 e só acordou do coma duas semanas depois, sem o movimento das pernas. Durante dois anos, focou seus esforços na reabilitação, que o ajudou em autonomia, mas não recuperou a atividade das pernas. Depois resolveu “tocar sua vida”, como ele mesmo diz: formou-se em direito e hoje estuda para um concurso público na área.
Antes do acidente, ele nunca havia dado atenção às corridas de rua – seu esporte preferido era a capoeira – mas, sete anos depois de se tornar paraplégico, Rodrigo disputaria sua primeira prova.
Dupla nas ruas
Rodrigo tinha o costume de acompanhar o desenvolvimento do primo Cleiton nas provas de corrida de rua. Em 2014, então sedentário e depressivo, Cleiton aceitou o convite de amigos para correr uma prova de 5 km. “Sempre gostei de competição, de me desafiar”, conta.
Cleiton, que tem 40 anos e é comerciante em Joinville, passou então a treinar para diminuir seus tempos e aumentar as distâncias. “Fiz novas amizades com a corrida, que me abriram portas.” O esporte virou o rumo da sua vida, e ele se sentiu na obrigação de incluir Rodrigo nesse caminho. “Queria passar para ele a sensação de correr uma prova”, diz.
A primeira vez que conseguiu inserir Rodrigo em uma corrida de rua foi em uma prova local, em 2015. Apesar da dificuldade em empurrar a cadeira de rodas de alumínio por toda a prova, o sentimento de cruzar a linha de chegada foi tão incrível para a dupla que eles decidiram ir mais longe. “Ele e eu começamos a costurar algumas ideias, pois queríamos passar essa sensação para outras pessoas”, conta Cleiton.
Mais pernas, mais rodas, mais provas
O começo foi a compra de um triciclo adaptado para Rodrigo, que proporcionou maior fluidez pelas ruas durante as provas seguintes. Eles notaram que não havia nenhum programa local que proporcionasse a experiência de participar de uma corrida a deficientes físicos. Logo, em outubro de 2016 – quando já acumulavam oito provas em dupla –, nasceu o projeto Pernas Solidárias, com a meta de tornar a linha de chegada um destino mais acessível para gente que nunca imaginaria alcançá-la. Não tardou para que pessoas que se locomovem em cadeiras de rodas – ou seus familiares e amigos – tivessem interesse na inscrição para provas em Joinville.
Cleiton e Rodrigo buscaram levantar patrocínios com empresas que pudessem se solidarizar com a causa. A Unimed fez a doação de quatro triciclos adaptados para corrida, além de dar inscrições e suporte em provas do Circuito Unimed, em Santa Catarina. Hoje são seis triciclos ao todo, ou seja, seis duplas do projeto por corrida. “Estamos sempre visando a próxima prova”, conta Cleiton. Desde que o Pernas Solidárias foi criado, eles já participaram de mais de 20 corridas de rua no estado.
“Não há nada mais valioso do que ver a alegria estampada nos rostos dessas pessoas”, diz Rodrigo, realizado ao falar do sucesso do projeto. Tanto os deficientes físicos como os corredores que empurram os triciclos não escondem a emoção ao cruzar a linha de chegada. “Cada vez mais pessoas estão abraçando o projeto, e queremos que ele alcance muitas pessoas”, fala o jurista.
Nesse sentido, corredores de São Francisco do Sul, também em Santa Catarina, se espelharam no exemplo dos primos de Joinville para criar o Pernas Solidárias da sua cidade. Com o apoio e a autorização dos criadores do projeto original, a “filial” foi lançada no início do mês de agosto. “A visão do projeto não é centralizada na gente”, explica Cleiton. “Nosso objetivo é que outras pessoas vejam e criem iniciativas próprias nas suas cidades.”