Sem preconceitos

Precisamos parar de olhar as pessoas com sobrepeso como foras da lei que merecem um enquadramento

Por Patricia Julianelli

Eu tenho a sorte de conviver com uma das pessoas mais admiráveis que já conheci: Kelly, a babá do meu filho. Mora no fundo da casa da mãe, passa cinco horas por dia no transporte público. Começou a cuidar sozinha dos três filhos – o mais novo com dois anos, idade do meu – depois de perder o marido para o descaso do governo com a saúde pública. Mas resolveu ser feliz. Na verdade, nem sei se é opção, mas ela é. Tira forças do que ela considera seu bem mais precioso: a família. E assim, ela chega em casa todo dia com um sorriso no rosto. Chega e vai embora, mesmo sabendo que sai às 18h30 para pisar em casa às 21h, com dois dos três filhos já dormindo.

Lembro da Kelly toda vez que vejo uma pessoa com sobrepeso sendo julgada. Onde ela encaixaria os tais 30 minutos diários de exercícios na rotina? Inviável. O pouquíssimo tempo livre que tem, ela gasta com os filhos. E eu acho que está certíssima. Não é só exercício cardiovascular que faz bem ao coração.

Kelly usa margarina no pão que traz de casa. “Você sabia que a manteiga é mais saudável? Dê uma chance a ela”, eu disse outro dia. “A gordura da margarina não é bacana para o corpo, ela está ligada a várias doenças, como diabetes e obesidade.” “Pati, eu não compro margarina porque prefiro, mas porque é mais barata”, disse sorrindo. É isso: não obstante a falta de informação de boa parte da população, os produtos industrializados mais acessíveis só o são à custa de ingredientes cada vez mais baratos. E que contribuem para o ganho de peso no mundo todo.

Veja, não estou aqui dizendo que exercícios regulares e alimentação saudável deveriam ficar em segundo plano. Aqui na Runner’s propagamos os benefícios dessa dupla aos quatro ventos. Mas não podemos ignorar que eles estão sendo negligenciados a parte da população. E há ainda uma lista de motivos que levam ao sobrepeso e à obesidade. Entre eles o hipotireoidismo, a síndrome metabólica, medicamentos à base de corticoides, antidepressivos, anticoncepcionais, a menopausa, a síndrome do ovário policístico e transtornos alimentares, estes últimos agravados pelo preconceito da sociedade em relação aos gordos.

Padrões de beleza sempre existiram, mas é cruel a busca pela uniformidade, como se fora do padrão fosse sinônimo de fora da lei – e exigisse punição ou, no mínimo, enquadramento. Até porque é possível estar acima do peso e muito bem, obrigada. Tanto de saúde como de autoestima. O peso pode ir contra o padrão estabelecido mas se enquadrar no que especialistas definem como saudável. Um gordinho pode inclusive ser mais saudável que muito magro em jeans 38 que come de tudo (ou nada) e não move uma palha no dia a dia. Alguns poderiam pesar menos, mas, colocando na balança, certas escolhas à mesa valem mais. Há aqueles que são gordinhos por opção e aqueles que o são por falta de opção. Por isso, ao invés de julgar, deveríamos gastar nosso tempo com algo bem mais valioso: exercitar o respeito pelo diferente.