Após vício em drogas, câncer e amputação, sem-teto vira ultramaratonista

Por Andrew Dawson, da Runner's World US

xolani luvuno 2
Foto: Cortesia IRONMAN/CRAIG MULLER

Xolani Luvuno estava de pé com sua muletas sob o semáforo em frente a um pequeno shopping center em Pretória, na África do Sul. Este era o seu lugar. Todo mendigo tinha um: o seu era uma área suburbana onde o tráfico era grande e gerava dinheiro suficiente para ele se alimentar a cada dia.

Isso ajudava a alimentar sua necessidade de sobrevivência. Embora a maior parte de sua comida viesse do lixo. Também fornecia o suficiente para alimentar seu vício em nyaope. O nyaope é um coquetel de drogas feito de heroína misturada com maconha, veneno para ratos, detergentes de limpeza e outros ingredientes.

Ele trabalhava nesse cantinho todos os dias, voltando apenas para sua “casa” quando tivesse dinheiro suficiente. Ele dormia em um acampamento para sem-teto com cerca de 20 a 30 pessoas embaixo de uma ponte. Eles passavam a noite em colchões de papelão e usavam sacolas plásticas como cobertores. Não era a vida que ele queria, mas era o que ele tinha.

No dia  26 de abril de 2016 um homem que às vezes lhe dava direito decidiu parar e conversar com ele. Era Hein Venter, que por dois meses passou por Luvuno na sua ida ao trabalho.

“De vez em quando você dá uma moeda ou duas, mas elas precisam de mais do que isso”, diz Venter. “Eu sabia que estava em posição de ajudar, e decidi aleatoriamente procurá-lo.”

Sentados juntos na calçada, os dois tiveram uma conversa, e Luvuno contou sua história: uma vida em gangues, um câncer nos ossos que levou sua perna e uma prisão.

Venter ficou comovido e decidiu levar Luvuno. Foi quando a segunda vida de Luvuno começou.

Mulher termina maratona um ano depois de levar dois tiros na cabeça 

Começo da história

A primeira vida de Luvuno começou em uma cidade rural no Cabo Oriental, perto de East London, na África do Sul. Foi com 16 anos que começou a usar drogas. “Comecei a fumar nyaope, todas essas coisas”, conta.

Seus amigos eram de uma gangue liderada por uma mulher em Durban que os pagou com drogas para cometer pequenos furtos e roubos pela cidade. “Se eu não tivesse dinheiro para fumar, eu deveria roubar os caras brancos. Você não pode ganhar todas as vezes e, no final, os policiais me pegaram.”

Foram cinco anos preso. Quando foi liberado, em 2008, notou um problema no joelho direito. “O médico disse que eu tenho câncer nos ossos”, diz Luvuno. “Não é fácil quando eles dizem que você está morrendo.”

Preso há 20 anos, corredor treina todos os dias e encontra ajuda na busca pela liberdade

Os médicos recomendaram amputar a perna, mas Luvuno não sabia o que fazer. Crime era a única maneira que ele sabia para se sustentar. Como amputado, essa vida não seria mais uma opção. Ele nem sentia vontade de fumar porque sua mente estava fixada no câncer que o estava matando.

Finalmente, em 2009, ele tomou uma decisão.

“Eu disse ao médico: ‘Se você disser que vou sobreviver, então corte minha perna’”, lembra Luvuno. “Então o médico cortou minha perna.”

Isso salvou sua vida, mas também o mudaria isso para sempre.

“Eu não podia mais bater em outros caras”, lembra Luvuno. “Então, eu não fiquei muito tempo no East London porque os caras que eu costumava bater queriam vingança. Eu costumava ser um valentão, por isso eu saí.”

Nos sete anos seguintes, Luvuno passou pelas ruas de Durban e depois em Pretória, onde encontrou refúgio debaixo da ponte com outros dependentes. Ele ficou lá até o dia em que Venter parou para conversar.

xolani luvuno
Foto: Cortesia IRONMAN/CRAIG MULLER

Recomeços

A primeira coisa que Luvuno teve que fazer quando Venter o levou foi dar um basta ao seu vício. O fato não havia sido mencionado durante a primeira conversa que tiveram, Luvuno ficou com receio de não receber ajuda caso revelasse o problema. Depois de três dias aceitando a hospitalidade de um estranho, Luvuno compartilhou isso com Venter.

Venter ficou surpreso, mas queria ajudar. No começo, eles tentaram admitir Luvuno em uma clínica de desintoxicação; no entanto, ele não pôde ser admitido por causa de uma longa lista de espera. Eles procuraram por outras opções, mas Luvuno escolheu outro caminho.

Ele ficou em quarentena por dias, lidando com desejos intensos enquanto seu corpo ansiava por uma dose. “Parecia que ia morrer”, lembra Venter. “Mas depois de 10 dias ele estava limpo. Esse foi o fim de seu vício em drogas.”

Na corrida uma paixão

Livre de drogas, a vida de Luvuno mudou. Aos 32 anos, ele começou em seu primeiro emprego na empresa em que Venter trabalhava, conseguiu sua primeira prótese e participou pela primeira vez da Comrades Marathon – a ultramaratona mais famosa do mundo – com o restante da equipe de Venter em junho de 2016.

Venter, um corredor de longa data, levou Luvuno como árte do grupo de treino. vendo os corredores, decidiu correr e começou a treinar pouco depois. Mas enquanto estava com a prótese, frequentemente desenvolvia feridas quando tentava correr. Foi quando optou pelo uso de muletas com apoio nos cotovelos. Ele não conseguia acompanhar os corredores, mas ia tão longe quanto eles. Ele decidiu, então, tentar uma corrida.

Ele começou aos poucos e fez os seus primeiros 5 km em setembro de 2016. Então as distâncias aumentaram. Em maio de 2017, ele completou 10 km, meia maratona e maratona. Depois das realizações, decidiu que queria uma ultramaratona e prometeu que seria em 2018.

Paciente com câncer terminal participa de ultra de 225 km

Linha de chegada

Luvuno não estava preocupado se ele seria capaz de terminar a corrida com muletas. Elas faziam parte dele há oito anos. Em vez disso, ele estava preocupado com o quanto suas muletas o atrasariam. Sua primeira maratona levou sete horas e ele foi escoltado até o final pela ambulância no final da corrida.

A Comrades tem um corte estrito de 12 horas para o percurso de 90 quilômetros. De muletas, Luvuno nunca faria isso. Ele teria que encontrar outro caminho.

Depois de conversar com os organizadores da corrida, eles encontraram uma solução: Luvuno e Venter começariam a 0h30, cinco horas antes do horário oficial da prova, para dar a ele uma chance de ganhar tempo.

Projeto leva pessoas com deficiência à emoção de completar uma prova

Mesmo com a vantagem de cinco horas, milhares de corredores passaram por ele durante todo o dia. Em meio a aplausos clamorosos, ele terminou em 15 horas e 30 minutos.

“Eu sempre digo: ‘Xolani nunca foi reabilitado. Ele foi transformado. Ele se tornou um ser humano diferente ”, diz Venter. “Ele mostrou a tantas outras pessoas o que é realmente possível se você apontar para as estrelas.”

Luvuno só correu mais uma corrida naquele ano, uma maratona de trilhas chamada Foot of Africa, no extremo sul do continente. Ele fez uma pequena pausa depois disso para fazer uma cirurgia em setembro para melhorar sua perna. Eles descobriram que a razão pela qual ele desenvolvia feridas quando usava sua prótese foi porque a amputação inicial não foi feita corretamente.

A cirurgia foi um sucesso e deu a Luvuno e Venter tempo suficiente para treinar para o próximo objetivo: o Ironman 70.3 na África do Sul em janeiro, que aconteceu no leste de Londres.

Depois disso, seu novos projetos surgiram, como o seu primeiro Ironman, previsto para abril (2019) em Port Elizabeth, onde ficou preso por cinco anos. Então ele voltará para Comrades em junho. E, mais adiante, a Maratona de Nova York, em novembro.

Página virada e novas histórias

A vida sob a ponte parece uma lembrança distante para Luvuno agora.

Muitas pessoas têm uma segunda chance, mas não muita coisa para concretizá-las como Luvuno fez. Quando ele conseguiu, não perdeu: ele aceitou e correu.

“Sua mensagem para os outros é não se concentrar no que você não tem. Mas aproveitar ao máximo o que você tem”, diz Venter. “Não se compare com o seu vizinho. Seja inspirado pelo seu vizinho. E nunca se sinta inferior por causa das habilidades do seu vizinho. Aproveite ao máximo o que você tem e defina metas desafiadoras. Não há graça em se contentar com a mediocridade.”

“Se não fosse pelo Sr. Hein Venter, que abriu esta porta para mim, talvez eu não estivesse aqui agora”, diz Luvuno. “Naquela época, eu estava dormindo em sacos de plástico. É uma vida que nunca pensei ser possível.”