Ei, psiu, já deu, tá?

A semana foi infernal. O carro quebrou e o mecânico tentou te enrolar porque supõe (e até acertou) que você não entende nada de motor. Sua filha de 2 anos ficou doente, você precisou pedir ao chefe para sair mais cedo para levá-la ao médico – e engolir a cara feia que ele fez por conta disso. Aí chega o sábado, dia de, enfim, botar o estresse para fora no treino. Você veste sua saia nova, checa a planilha e sai de casa para, naqueles próximos 90 minutos, esquecer das aporrinhações e recarregar as energias.

Você pode achar que estou de mimimi, exagerando ou até delirando, mas, sim, ter de ouvir “fiu-fiu”, “que pernão” ou “ô lá em casa” só porque você está de shorts curtos é de lascar. Quando a moda das corridas exclusivas para mulheres começou, lembro de ter ficado indignada. Achei absurdo separar homens e mulheres, ainda mais em um esporte tão democrático – sem falar na overdose de cor-de-rosa e cosméticos de brinde. Até que uma amiga retrucou que, para ela, as provas tinham sido libertadoras: “É ótimo correr 10 km com a certeza de que ninguém atrás de mim estará olhando para a minha bunda”.

Se você está lendo esta coluna e pensou “ei, não chamo ninguém de gostosa nem olho para a bunda de mulher nenhuma, logo este texto não é para mim”, vamos a outros casos. Tenho um casal de amigos que correm juntos uma maratona por ano. A mulher sempre chega na frente. Ter um tempo pior nunca foi problema para o marido, que se orgulha da parceira, mas ele já perdeu a conta de quantos tapinhas nas costas recebeu de amigos tirando sarro. “Precisa apertar o passo”, “pô, cara, vergonha”, “anda apanhando também em casa?”

Em treinos na USP, eu mesma já fiz o teste mais de uma vez: apertava o passo quando via alguns homens à frente, correndo em ritmo confortável, e os ultrapassava. Era batata: em poucos segundos eles voltavam a me ultrapassar. Questão de honra! Muitas vezes é sem querer, quase intuitivo, imagino. Como ouvi de um ortopedista, logo após minha estreia na maratona, anos atrás, quando contei que tinha feito a prova em 3h55min: “Poxa, sub 4h? Excelente tempo… para mulher”. Ou como quando digo para um amigo que meu recorde nos 10 km é 48 minutos e ele devolve com cara de satisfação que o dele é 35 minutos, que 48 ele faz quando está sem treinar. Não tenho dúvidas de que é tudo sem intenção de parecer machista ou de desmerecer a minha performance. Mas, como dizia minha finada avó, de boas intenções o inferno está cheio. Eu quero a minha dose de igualdade e respeito. Já está mais que na hora.