Ciência x modismo

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Você já deve ter ouvido falar dos minimalistas. São aqueles tênis mais baixos, rentes ao chão. Flexíveis, têm bastante espaço na parte da frente. A ideia é simular a corrida descalça. Eles tiveram seu boom em 2011, dois anos após o lançamento do livro Nascidos para Correr, de Christopher McDougall, sobre uma tribo mexicana de ultramaratonistas que corriam com sandálias artesanais. Será que o segredo deles era a ausência de amortecimento? A indústria explorou essa inquietação e surgiram dezenas de modelos com essa proposta. Mas e hoje: será que os corredores ainda acreditam que menos é mais? E o que diz a ciência?

Nos últimos anos, inúmeros autores publicaram pesquisas comparando os tênis minimalistas e os tradicionais. Os estudos compararam performance na corrida, números de lesões e, principalmente, eficiência energética (qual dos tênis permite uma corrida mais econômica por minuto). Nas atuais publicações, os minimalistas levam ligeira vantagem em todos esses quesitos, mas está evidente a necessidade de mais estudos, principalmente pela dificuldade de definir o que seria um tênis minimalista. Só para você ter uma ideia, em agosto de 2015, especialistas de diversas nacionalidades – sob a gerência do pesquisador Jean-François Esculier, da Universidade de Laval, no Canadá – resolveram classificar os minimalistas em uma escala de 0 a 100. Para isso, levaram em conta aspectos como flexibilidade, peso e drop, ou seja, diferença entre a altura do calçado no calcanhar e no

antepé. Quanto mais leve, flexível e “baixinho”, mais minimalista o tênis é.

Agora pense comigo: se existe uma escala para classificá-los, se há tantos níveis em um só tipo de tênis, por que queremos atrelar nosso desempenho a um único fator: o tênis? É ilusória a noção de que um tênis por si seja capaz de evitar lesões ou de fazer a gente correr como nunca. E existe outra questão em jogo: à medida que nossa corrida se torna mais econômica, melhoramos a postura, a cadência, diminuímos a oscilação vertical, nossa necessidade em relação ao tênis muda. A melhor opção de calçado também varia de acordo com a planilha. Treinos mais longos devem se beneficiar de tênis mais estruturados, e, treinos de velocidade, de modelos mais leves.

De qualquer forma, recomendo a todos que desejam dar uma chance aos minimalistas que façam uma transição lenta e gradual. Se a ideia é experimentar um minimalista 1 da Escala de Esculier (ex.: o Five Fingers, que mais parece uma luva para os pés), prepare-se para diminuir bastante o volume de corrida e progredir lentamente até uma corrida mais natural possível. Correr na grama ou na terra batida também pode ajudar. E é fundamental ter um profissional especializado (um treinador ou fisioterapeuta)

lhe guiando nesse processo. Só ele, com análises mais objetivas, pode avaliar sua evolução mecânica e sua adaptação ao novo tipo de corrida.