Violência na USP

Milhares de esportistas invadem todo fim de semana a Cidade Universitária (USP). O local está longe de ser ideal – por não ter uma convivência tão harmoniosa entre corredores, ciclistas, pedestres e motoristas – mas é uma das poucas opções que a cidade de São Paulo oferece.

Nesse último sábado, dia 30, as corredoras amadoras Anita Moraes e Deborah Aquino foram vítimas de violência dentro do campus. Muitos poderão culpar o fato de que as duas estavam sozinhas, na madrugada, antes mesmo de amanhecer o dia. Mas não nós. Publicaremos a seguir o relato de Anita Moares na tentativa de mobilizar as autoridades competentes para que assegurem a segurança dos frequentadores do local, estudantes ou não da USP. Antes que esse jogo de empurra-empurra faça novas vítimas.

“Sabe quando a mãe nos dizia: cuidado!" e nós respondíamos "Ah mãe, tá bom?". Certamente desprezávamos aquele conselho, pois tínhamos em mente que nada nunca ia nos acontecer e que éramos imunes a tudo. Entretanto, pode chegar o dia que acontece e você só se lembra daquela advertência que recebeu. Comigo aconteceu nesse último sábado de abril quando estava na USP junto com a minha amiga Deborah Aquino para correr.

Como de costume, chegamos cedo no local e ao chegar lá, prestes a começar o treino, dois homens armados nos abordaram de uma forma sorrateira, suja e covarde. Eles nos apontavam a arma e diziam para não gritarmos e nem corrermos e que era um assalto e iriam atirar.

O rapaz que me abordou era alto, usava óculos de grau, roupa preta e, aparentemente, não estava armado, mas pediu que eu deitasse e começou a tirar meus pertences. Eles foram rápidos, agressivos e silenciosos. O outro rapaz – que estava armado – foi atrás da Deborah que reagiu e correu. Ele conseguiu ir atrás pedindo a chave do carro e ela jogou em sua direção e saiu correndo. Um perigo enorme ter reagido e correu um risco enorme de ter sido baleada.

Depois que esse rapaz armado pegou a chave do carro, aquele que havia me abordado, disse para mim que eu iria com eles e me colocou no banco de trás do carro. Mesmo pedindo muito que não fosse levada, eles não me ouviram. Felizmente, consegui me manter serena diante da situação e fiz o que pediam. O rapaz de óculos sentou do meu lado, o que estava armado assumiu o volante e um terceiro apareceu do nada, como uma barata nojenta que sai do bueiro.

O que estava no volante seguiu sentido favela São Remo e enquanto seguia para este local, o que estava do meu lado pedia que eu ligasse para o celular da Deborah para pedir que ela não ligasse para a polícia e que se ela ligasse, iriam me matar! Eu ligava para o celular dela e o telefone tocava dentro do carro e eu não sabia o que pensar. Não sabia se era bom ou ruim, porque eles estavam ficando irritados e deveriam saber que o roubo deles tinha sido bem mal-sucedido. Pouco lucro, um carro com documentos para prova, uma menina dentro e um telefone iPhone, que provavelmente a polícia já estaria rastreando.

Entramos na São Remo e eles queriam colocar um capuz preto na minha cabeça, mas o menino do meu lado disse que não tinha, então era para eu me abaixar e não levantar a cabeça. Chegamos num ponto dentro da favela e os rapazes do carro encontraram um outro, que perguntava o que eles pegaram e em seguida, dizia para “desovar essa menina daqui”.

O rapaz armado perguntou se eu sabia dirigir e que era para sumir dali, porém esse possível mandante disse que eu iria sair sozinha e daria trabalho. Nesse momento, o que dirigiu o tempo inteiro assumiu o volante de novo e disse que iria me deixar na saída da favela.O que estava sentado do meu lado, sentou no banco de passageiro na frente e fomos embora. Eles me deixaram numa reta que saía para uma avenida que não sei se é a da Politécnica.

Eles ainda tentaram ligar o celular da Deborah, que tocava dentro do carro e nada deles acharem e enquanto isso, uma outra pessoa apareceu para terminar de tirar tudo do porta-malas do carro. O motorista pediu que eu pulasse para o banco do motorista, fechou a porta e ficou na janela do meu lado, dizendo que ia devolver o meu chip de celular. No tempo que ele tirava o chip, eu o agradeci por ele ter deixado eu sair com vida de lá. Ele respondeu: "Cumpri o trato que fiz com você, você colaborava, não fez nada errado e eu ia te liberar. Estamos quites, você some daqui agora e nós nunca nos vimos na vida, certo?”

Passado esse tempo, eles viam uma viatura da polícia na avenida e saíram correndo. Eu liguei o carro e sai cantando pneus, com porta e porta-malas aberto, entrei feito louca na Avenida e comecei a sinalizar para a polícia. Cerca de oito viaturas e motos apareceram e foi quando eu me senti em segurança.


Os policias começaram a vistoriar o carro quando encontraram o celular da Deborah debaixo do banco do motorista, aparelho que foi sem dúvida a minha salvação, pois quando a Deborah chamou a polícia, imediatamente eles me rastrearam e foram até aonde eu estava. Foi tudo um grande risco, pois por poucos minutos a polícia teria entrado na favela e não sabemos o que poderia ocorrer, me fazerem de refém ou me balearem…

A partir dali a polícia cuidou de tudo e puder retornar escoltada até a USP para me encontrar com a Deborah que quando me encontrou, estava desesperada, mas sabendo que no final deu tudo certo e ninguém teve maiores prejuízos e uma salvou a outra.

Se a Deborah tivesse ido com eles e se descompensasse, como ali estava, poderia ter corrido o risco de apanhar, ser violentada, eles se irritarem e fazerem algo pior. Se não fosse o celular dela, não teriam me achado, e sabe-se lá o que teria acontecido….Uma ajudou a outra, numa parceria forte e eterna. Lições foram e ainda serão tiradas de tudo isso, onde aos poucos – depois do choque – ficarão mais claras e objetivas. Por ser espírita, não acredito em acaso e sim que tudo aconteceu como deveria acontecer. O que nos foi tirado nós vamos recuperar ao longo do ano, o emocional aos poucos vai evoluindo, a amizade se fortalecendo ainda mais e o valor à vida vão se intensificando. Minha eterna gratidão à Deus e toda essa equipe espiritual que me acompanhou, à Deborah, aos policias e pelo renascimento e à vida!”