Relato: após Ice Marathon, brasileiro quer 7 Continents Club

O corredor Alessandro Sousa não se contenta em participar apenas de corridas simples. Ele busca desafios e emoções em suas provas, aguçando suas percepções ao buscar pela superação. A última empreitada do atleta foi na Ice Marathon, em novembro, na Antártica.

Único brasileiro no evento, Sousa completou a prova em 5h54, na 15ª posição (37 homens participaram). Seu maior orgulho além do feito em si, foi usar a corrida também para beneficiar as pessoas divulgando uma boa causa. “Cheguei com a bandeira do GRAACC, Combatendo e Vencendo o Câncer Infantil. É importante chamar a atenção das pessoas para entidades que ajudam pessoas que mais precisam.”

Os objetivos de Sousa não param por aí. O paulista de 42 anos, que começou a correr há quatros, pretende correr uma ultra de 100 km e buscar uma vaga no 7 Continents Club. “Ou seja, preciso correr uma maratona em cada um dos 7 continentes. Já tenho 2 – América do Sul e Antártida.” Com tanto fôlego, não dá para imaginar que o executivo era sedentário antes de correr.

Confira agora o relato de Alessandro sobre a Ice Marathon

Vi esta prova pela primeira vez em um programa de televisão e desde então vinha sonhando em correr esta prova. Fiz a inscrição em novembro de 2013 e durante todo o ano de 2014 procurei me manter fiel aos treinos, e estudando bastante a questão da roupa e do equipamento. Por não estar acostumado às baixas temperaturas, um bom equipamento iria fazer a diferença para mim.

Segui as recomendações e especificações da organização para selecionar a roupa, fui ao sul da Argentina no inverno para testar e me adaptar a correr com itens novos como a máscara e os goggles (óculos especiais). Valeu a pena pois pude identificar com antecendência algumas necessidades de ajustes.

Durante o ano fui evitando participar de provas de trilhas que é o que gosto de fazer para preservar as pernas e evitar lesões. Segui com treinos regulares de corrida 5 vezes por semana e musculação 2. Aos sábados fazia os longões para ficar bastante tempo correndo – de 30 a 40 quilômetros, e durante a semana incluía um ou dois treinos de tiro para melhorar a condição física.

Novembro chegou e os competidores mais a organização da prova se encontram em Punta Arenas, no sul do Chile. Lá recebemos os briefings, número de peito, informações de segurança e logística, fizemos o aluguel da roupa polar, inspeção do equipamento que seria usado na Antártida e pesagem da mala antes de carregar no avião. Esta inspeção é importante para garantir que estaremos preparados para enfrentar as baixas temperaturas. Durante os briefings recebíamos informações e previsões de voo, mas ficamos dependentes das condições climáticas. Portanto em uma prova como esta, tem que planejar a viagem com uma determinada folga, pois, atrasos são parte do processo, e acontecem com frequência. Se estiver ventando muito forte, não tem como voar em segurança. Então o ideal é planejar o voo de volta para 3 a 4 dias depois da data prevista de retorno a Punta Arenas. Se tudo correr como planejado, adianta-se o voo. É importante também deixar reserva no hotel para os dias de retorno, com alguma folga.

Nos dias pré-prova, tive a mesma sensação da primeira maratona. É difícil definir estratégias uma vez que é tudo desconhecido. Como o corpo vai reagir ao frio e ao terreno? Não pode ter nada incomodando com a roupa, levar mochila de hidratação não adianta porque congela o tubo, gel de carboidrato tem que carregar na ‘fleece’ junto ao corpo para não congelar… Uau, quanta informação.

A entrada no avião é emocionante – rústico mas não importa, afinal estamos há poucas horas de pisar no continente gelado. Tem um telão dentro do avião que vai mostrando nossa localização e a visão da parte externa. Quando vai chegando na Antártida, é uma sensação incrível. O gelo, as montanhas, o barulho ensurdecedor, adrenalina a mil. Ao pousar, as vans já estão esperando para levar os competidores ao acampamento, trajeto que dura uns 10 minutos. Chegando lá, fomos recebidos por alguém do staff, que nos explica o funcionamento dos banheiros, tenda médica, lugar para secar a roupa, restaurante etc. O pessoal que trabalha no acampamento é de uma simpatia incrível. Fazem questão de tornar a nossa estada uma experiência maravilhosa, e conseguem. Trabalham bastante, estão sempre alegres, agradáveis e animados.

O primeiro dia é difícil de dormir por estar claro e pelo frio. A tenda segura bem o vento, mas é frio. O saco de dormir é provido pela organização, e de excelente qualidade. Se der vontade de urinar durante a noite, o ideal é levar uma garrafinha de boca larga, de 1 litro, e fazer dentro da barraca. O primeiro que fiz, deixei do lado da cama, e adivinha, congelou. A roupa de manhã cedo também estava gelada. Aos poucos vamos nos adaptando ao ambiente, aprendendo a conviver melhor naquele lugar. Por exemplo, colocava as roupas dentro do saco de dormir pra não gelar.

Ficamos esperando o tempo abrir para poder realizar a maratona – com ventos tão fortes, não seria possível largar. Devido as condições climáticas, o diretor da prova decidiu soltar os 100 km antes, e a maratona seria no dia seguinte, quando o tempo abriria segundo a previsão do meteorologista. Ficamos dentro da tenda aquecida, acompanhando e dando suporte aos corredores dos 100 km, grandes guerreiros.

No dia da Maratona o tempo estava bem melhor, o que facilitaria correr as 2 voltas de 21 km. Ao largar, já senti dificuldade com o terreno – muito fofo, que piorou com os fortes ventos dos dias anteriores. Buscava lugares mais sólidos para pisar, mas não teve jeito – reduzi o ritmo e tentei manter uma passada constante. O frio não chegou a incomodar, já que a roupa estava bem acertada. A dificuldade mesmo foi com o terreno. De novo, o suporte do staff do acampamento foi sensacional. Por estar em um terreno diferente, surgiram dores que nunca havia sentido antes, mas a beleza do lugar fazia com que esquecesse qualquer dificuldade. Já nos primeiros 10 quilômetros o grupo se dispersa. Por isso, corri a maior parte do tempo sozinho. Existe marcação do caminho e sempre tem alguém da organização monitorando a prova. Os últimos quilômetros foram realmente difíceis pelo cansaço acumulado, e justamente um trecho onde o terreno estava ainda mais fofo.

Cruzar a linha de chegada foi uma emoção difícil de descrever. Passa um filme na cabeça, desde o momento em que vi a prova, que comecei a sonhar em estar lá, toda a preparação, o incentivo da família e dos amigos, a torcida, enfim, emoção pura.

Celebramos entre todos até de madrugada, e no dia seguinte, apos as premiações, voltamos à Punta Arenas felizes da vida.

Dicas e Resumo:
Viagem
– Planejar ida e volta com folga para acomodar possíveis atrasos, e comprar voos que possam ser alterados.
– Deixar reservas no hotel (preferencialmente onde fica a organização)

Roupa
– Seguir recomendação da organização, que está disponível no site. Levar 2 jogos de Base Layers (camisa térmica que drena o suor do corpo), de Mid Layers (usado por cima do Base Layers) e de luvas. Como a maratona são 2 voltas de 21,1 km, é bom deixar o jogo sobressalente na tenda aquecida para trocar na segunda volta caso esteja muito molhado. Deixei também uma par de luvas mais leves, e outro mais grosso das que eu usei na corrida. Como é difícil prever como estará o tempo e os ventos, é bom deixar preparado para trocas caso necessário.
– Roupa polar – o ideal é alugar (junto à organização) pois assim garante que estará adequada ao ambiente. São 200 dólares para a jaqueta, a calça e a bota.
– Um bom equipamento vai fazer a diferença na prova. Não pode ter nada incomodando, portanto teste antes em algum lugar frio.

Organização
– Passam todas as informações necessárias, tratamento de alto nível. No acampamento também – todos alegres, interessados, interagem bastante com o grupo. Parece que todos querem que voltemos de lá felizes da vida pela experiência que tivemos – e conseguem.

Cuidados
– Filtro solar no rosto e nos lábios sempre – renovar de tempos em tempos durante o dia. Os raios UV podem causar sérios danos.
– Manter extremidades aquecidas, sempre com botas, nunca ter contato direto do pé com o chão. Luvas e buff devem estar sempre presentes..
– Óculos sempre. Ou óculos de sol, ou Goggles.

Barraca
– Para duas pessoas,
– Deixar roupa sobressalente na tenda aquecida ou dentro do saco de dormir.
– Garrafinha do xixi – de 1 litro e boca larga.

Prova
– Atenção com a neve fofa por causa dos ventos fortes. Mas sempre tem.
– Mantenha a segunda muda de roupa para a prova na tenda aquecida. Assim fica fácil de trocar.
– Camelback congela. Deixar ‘energy gels’ ou bebidas nos saquinhos providos pela organização, com seu numero de peito, que eles te entregam nos Postos de Apoio (a cada 6 a 7 km).
– As maiores dificuldades são o terreno fofo e os ventos fortes, que nem sempre acontecem, dependendo do tempo. É ir preparado e se ajustar.

Confira os vídeos aqui e aqui