Um pouco demais

A corrida é um esporte individual, mas dependendo do contexto, essa afirmação pode soar um pouco fora do tom e até mesmo gerar polêmica. Quem concorda tem argumentos sólidos: afinal, ninguém pode correr por você, certo? Não é como uma tarefa que deve ser executada, independente dos meios. Requer dedicação, comprometimento, entrega.

Entretanto, cresce cada vez mais o grupo que, mesmo rendendo-se ao óbvio, transforma cada mínimo detalhe em um evento. São os que eu chamo de “Sociais Compulsivos” que fazem até mesmo a compra de uma meia nova um acontecimento “incrível” e que deve ser divulgado para o maior número de pessoas possível.

Não é difícil entender como as redes sociais e os inúmeros meios de comunicação estimulam a espetacularização da nossa vida privada. Sentimo-nos parte de uma gigantesca comunidade. É a derradeira etapa de retribalização da humanidade, onde tudo e todos estão…na nuvem. Logo, é natural que o nosso esporte do coração seja parte integrante e importante de todo esse universo. Só que mesmo assim, ainda podemos escolher se assumimos ou fugimos um pouco da Matrix, deixando os exageros de lado e buscando uma vida virtual mais leve.

Se você não é remunerado por isso, talvez não precise postar repetidamente fotos usando essa ou aquela marca. Selfie correndo? Por favor. Treinou? Que bom para você! Tem detalhado todos os seus treinos exaustivamente em todas as mídias? Nem tanto. Tudo bem que aquele intervalado sinistro te detonou. Vá lá, poste a sua cara de cachorro molhado no final, seu sorriso bonito e seu olhar de “sou f.”. Compartilhe com seus amigos, receba elogios, detalhe os tempos, tudo isso faz parte. Mas todo dia? Toda hora?

E tem mais: cada dia aparece uma nova mídia. O Snapchat já é antigo. Periscope vai pegar? Já pegou. A cada segundo, podemos perder tempo de vida real olhando e atualizando a nossa vida como se fosse uma novela. Às vezes para uma grande maioria de desconhecidos. Reclamamos que não temos tempo para treinar, mas não desgrudamos dos nossos celulares. É quase uma extensão da mão. Viajamos e não vemos nada. E quando regressamos, não temos mais paciência nem para olhar as fotos tiradas.

Que possamos fugir dessa vida vazia e utilizar equipamentos e meios de comunicação de uma forma mais afetiva e efetiva, claro, mas não obsessiva. Respeitar as vontades do olhar. Se correr é coletivo que possamos treinar e competir juntos, maridos, mulheres, amigos, pais, filhos, enfim, todos. Vamos encontrar o tempo antes ou depois das nossas corridas para verdadeiros encontros. Afinal, poder tudo pode, mas compensa?