Coma gordura…

CORREDORES GOSTAM de seguir regras. E, durante décadas, as regras da nutrição colocaram um limite rígido nas quantidades de gordura saturada que deveríamos ingerir. Afinal, desde os anos 1960, especialistas batem na tecla que ingerir alimentos com altas taxas de gordura saturada – ovos, carne vermelha e laticínios integrais, por exemplo – aumenta os riscos de doenças do coração. Os corredores obedeceram as recomendações e tentaram diminuir ao máximo a presença desses alimentos em suas dietas.

Porém uma série de novos estudos vem colocando esse conceito de cabeça para baixo. Um deles, publicado no jornal Annals of Internal Medicine no começo deste ano, revisou 76 pesquisas existentes e não descobriu nenhuma associação concreta entre gordura saturada e doenças do coração. Outra revisão de estudos, divulgada em 2010, chegou a uma conclusão similar. “A gordura saturada pode não ser o demônio que acreditávamos”, diz o norte-americano Jeff Volek, professor associado de cinesiologia na Universidade de Connecticut (EUA).

Antes que você saia comemorando as boas novas com um cheeseburguer duplo, há uma pegadinha. Só porque as novas pesquisas não acharam uma associação não significa que ela não exista. Muitos dos estudos anteriores eram observacionais (ou seja, não tinham como objetivo determinar causas e efeitos diretos e confiavam em “cobaias” para relatar suas dietas. E esses relatos podem não ser muito precisos. O que os cientistas sabem por meio de estudos clínicos em condições controladas – o padrão mais respeitado entre os métodos de pesquisa – é isto: “A gordura saturada aumenta os níveis de LDL, o chamado colesterol ruim”, diz Penny Kris-Etherton, renomado professor de nutrição da Universidade de Penn State (EUA). “O LDL contribui para o depósito de placas nas artérias e é um dos dois maiores fatores de risco para as doenças do coração.” Penny explica que quando você substitui as gorduras saturadas pelas poli-insaturadas (chamadas de “gorduras boas” e encontradas em peixes e óleos vegetais como canola) os níveis de LDL caem, e com eles diminui a incidência de doenças do coração. As evidências disso são encontradas em uma série de estudos recentes.

Há outras razões para não se jogar de boca na gordura saturada: dietas ricas em gordura foram ligadas a alguns tipos de câncer, e carnes processadas, como salsicha e bacon, podem aumentar o risco de diabetes. É por isso que a American Heart Association recentemente atualizou suas recomendações – a associação aconselha limitar a ingestão de gordura saturada a 5% ou 6% (menos que a recomendação anterior, de 7%) das calorias totais – algo em torno de 11 a 13 gramas por dia em uma dieta de 2 mil calorias. Mas a gordura saturada oferece seus benefícios. Por exemplo, algumas gorduras saturadas de cadeia média, como o ácido láurico (abundante no óleo de coco), têm o potencial de serem imediatamente queimadas para a produção de energia, em vez de estocadas como barriguinha. Além disso, eliminar a gordura saturada tem um efeito estranho: diminui os níveis do chamado “colesterol bom”, o HDL, que limpa o LDL da corrente sanguínea”.

Em resumo, as pesquisas mostram que todos os alimentos têm seu papel em uma dieta saudável, desde que consumidos com moderação”, diz a nutróloga Heather Fink, especializada em esporte. “Corredores são fisicamente ativos e preocupados com a saúde, então tendem a eliminar os alimentos gordurosos. Mas não precisam fazer isso”, diz. É uma questão de analisar toda a comida que você ingere e a proporção de determinados nutrientes.

Alguns alimentos com alta taxa de gordura saturada são extremamente nutritivos, e ao excluí-los você também perderá seus benefícios. Por exemplo, carne vermelha contém ferro, zinco e proteína. Leite integral é uma excelente fonte de cálcio, que ajuda na construção dos ossos, e de vitamina D, dois nutrientes que muitos corredores têm déficit. Laticínios também fornecem ácidos linoleicos, que foram ligados à perda de peso.

Além disso, existe o “fator gostosura” (sim, ele importa!). Alimentos com gordura são mais saborosos e satisfazem mais, o que pode controlar seu apetite, diz Jeff Volek. Uma dieta variada que incorpore alimentos integrais naturais – inclusive algumas fontes de gordura saturada – pode oferecer uma gama de nutrientes que ajudam a te manter em forma e com um bom condicionamento. Então siga em frente. Delicie-se com aquela sobrecoxa de frango, com pele e tudo. Passe um pouco de manteiga na torrada. Coloque uma fatia de queijo amarelo em seu sanduíche. Desde que você foque prioritariamente em vegetais, frutas, grãos integrais e proteína magra, estará fazendo bem ao seu corpo e à sua corrida.