Tempo, tempo, tempo, tempo

Quando éramos crianças, não pensávamos em correr. O movimento acelerado era tão natural como o nascer do sol. Orgânico, fluído, simples. De maneira semelhante aos botões de uma esteira, a energia absurda que corria em nosso corpo nos impulsionava aos grandes feitos. Tudo era urgente e épico. Experimentar um novo tênis era um momento inesquecível. Voávamos literalmente, capazes de transpor as barreiras invisíveis da realidade. Virávamos heróis.

Na adolescência, lembro-me das aulas de educação física. Das corridas em torno do pátio da escola. Do frio no início, clima de montanha, respiração difícil. Sensação de desconforto aguçada pelo clima meio militar da coisa. Apitos. Horários. Testes. A coisa, de fato, encaretou. Abandonando o lado lúdico, a vontade cedeu vez à conformidade. Só me sentia livre nos sprints ocasionais que dava ao entrar na minha rua, prestes a chegar em casa. Velocidade.

Na transição para a idade adulta fui salvo por uma banca de jornais. Do nada, descubro uma revista em inglês que falava sobre corrida. Na época, não havia nenhuma publicação sobre o assunto no país. Era a Runner’s World. Foi ali que me vi, pela primeira vez, parte de um universo que se auto-intitulava “O mundo do corredor”. E que mundo! Comecei a perceber que existiam inúmeras possibilidades no esporte além do alto rendimento. Enxerguei um estilo de vida que mudaria tudo.

A revista falava de atletas profissionais e amadores. De nutrição. Treinamento. Equipamentos e – claro! – tênis! Artigos incríveis de alguns dos melhores técnicos de corrida do mundo me diziam “cara, você pode também!”. Através dela, conheci todas as grandes marcas e pude admirar o avanço da tecnologia. No Brasil dos anos 80 não tínhamos acesso a quase nada. Nascia ali uma grande parceria que influenciou profundamente a minha vida. Logo virei assinante.

A rotina de corredor nem sempre foi fácil, mas nas épocas mais difíceis eu sabia qual era a fórmula “mágica” para o resgate da autoestima e isso me trazia de volta. Em 2007, ao entrar para uma equipe, formalizei o casamento e consegui ter disciplina para que as grandes metas fossem atingidas. Logo no primeiro dia, lembro-me de dizer à Luciana, nossa técnica, que meu sonho era correr a Maratona de NY. Como não? Desde o primeiro exemplar da Runner’s essa idéia surgiu como inspiração. Em meio a incontáveis provas, no entanto, percebi que o objetivo maior sempre foi ter saúde, bem-estar e alegria plena.

Não sou rápido e nunca serei. Pessimista? Não, faltam-me recursos e, talvez, sangue nos olhos. O sofrimento tem limite. Vivendo no calor do Rio de Janeiro e detestando treinar em esteira, os prognósticos não são bons para me tornar veloz. Isso me frustra? Um pouco, tenho que admitir. Mas sou responsável por tudo que acontece na minha vida e sei que o caminho do perrengue é uma opção. Basta querer. É aí que pega.

Hoje, o que realmente me dá tesão é correr sem muitos planos, sem metas cartesianas a me limitar. Continuar a me surpreender, apesar da planilha. Respeitar as opções de cada um. Viajar. Meditar. Agradecer a cada passada. E, ao falar em gratidão, deixo aqui meu eterno obrigado a Runner’s World por todos esses anos de pura inspiração. Em 2016 a revista completa 50 anos de vida. Que venham os próximos 50. Parabéns!