Lesão não é sentença de morte (da corrida)

Dúvidas a respeito de limitações para a prática de esporte? Veja o que o fisioterapeuta Siqueira diz

dor crônica nas costas
Crédito: Maridav/Shutterstock

Correr com dor ou lesão, pode ou não pode? Depende. O fisioterapeuta Cássio Siqueira explica como virar sedentário não pode ser uma opção por causa de “qualquer” limitação física

Por Cássio Siqueira

“Ah, eu não posso correr por causa da minha coluna!”. “Adoraria correr, mas meu joelho não deixa!”. “Quem tem hérnia de disco pode correr?”. “Não posso correr porque estou gordo, vai forçar muito meus joelhos”.

Escuto coisas assim com bastante frequência. Sei que alguns só estão usando possíveis limitações físicas como desculpa para não sair do sofá. Mas muitas pessoas têm dúvidas sinceras a respeito de limitações para a prática de esporte.

Antes de responder a estas aflições, deixe me contar uma história que me marcou.

Chegou ao consultório, anos atrás, um corredor que já tinha feito algumas maratonas, várias meias e amava a corrida.

Chegou chorando. De verdade. Lágrimas escorriam de seus olhos.

– O médico falou que eu nunca mais vou poder correr!

– Espera. Conte-me melhor isso.

Este atleta tinha ido consultar um médico por conta de uma dor no quadril que o atrapalhava, acima de tudo, para sair do carro. Na corrida, nem incomodava tanto. Radiografia feita, veio a bomba:

– Você vai ter que parar de correr!

– Por quanto tempo, doutor?

– Para sempre! Se não quiser colocar uma prótese no quadril nos próximos 10 anos, terá que parar de correr.

E o mundo desabou neste instante. Quem corre ou pratica esportes com regularidade sabe a sentença de morte que é ouvir isso.

Agora, deixe-me ampliar o recorte desta história e contar um pouco mais sobre a pessoa ao redor do quadril radiografado.

Este indivíduo era um ex-obeso. Não um gordinho, obeso mesmo. Antes dos 50 anos, pesava cerca de 130 kg, tinha pouca disposição, ficava ofegante para caminhadas leves, estava a um passo da diabetes, pressão arterial alta, qualidade do sono ruim, mau-humor, relações familiares não muito boas, libido em baixa, autoestima então…

Eis que a corrida o salvou. Começou a correr, no início aguentava pouco, sofria muito, mas seguiu em frente.

Cuidou melhor da alimentação. Logo percebeu que sofria menos nos treinos, conseguia aumentar a quilometragem e melhorar seus tempos. Participou da primeira prova. Levou pra casa a primeira medalha.

Emagreceu 50 kg, ficou mais bonito e confiante, melhorou o humor, suas relações familiares melhoraram, passou a ter mais desejo sexual, fez amigos na corrida.

Os exames laboratoriais eram de um jovem: glicemia, triglicérides, colesterol, tudo voltou aos níveis saudáveis. Dormia melhor, trabalhava melhor.

Até que, por causa de um raio-X ruim, ouviu uma sentença de morte. O médico, muito preocupado com a saúde da articulação, não percebeu que sua conduta “matava” todo o resto do paciente ao redor dela. Mas, então, o que poderia ser feito? Este corredor pode voltar a correr?!

Se você acha que alguém deve ser impedido de praticar um esporte por ter algum problema de ordem motora é porque nunca assistiu às paralimpíadas!

Vejam que me restrinjo ao aparelho locomotor. Problemas de ordem clínica, cardíaca, ontológica não são da minha alçada e merecem a avaliação de um medico do esporte.

Com isso, também não estou dizendo que você deve correr à vontade, apesar de condições patológicas do seu aparelho locomotor.

Se há alguma condição que é um problema, um risco, uma limitação, isto deve ser avaliado com muito critério por profissionais qualificados.

É função dos profissionais envolvidos na área corrigir condições, minimizar riscos e encontrar alternativas para que você possa sempre praticar esportes.

Não é e nem pode ser uma opção virar sedentário porque há uma lesão. Esporte e exercício são os maiores promotores de saúde disponíveis.

Quanto ao corredor da história acima, ele voltou a correr após uma correção da mecânica de corrida ter minimizado muito a carga sobre seu quadril.

 

Foto: arquivo pessoal.

Cássio Siqueira é supervisor de fisioterapia do esporte do curso de fisioterapia da USP e fisioterapeuta da Care Club, onde trabalha com reeducação funcional de corredores. É formado em fisioterapia na USP, com especialização em fisioterapia no esporte e fisioterapia em neurologia, mestre e doutorando em ciências da reabilitação também pela USP.

 

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