Correr pode combater depressão e ansiedade

Por Scott Douglas, da Runner's World US

Correr pode combater depressão e asiedade
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Correr pode combater depressão e ansiedade sim. Como? Em quase todas as terças, treino de manhã cedo com uma mulher chamada Meredith. Apesar de amigos próximos, somos bem diferentes. Meredith é uma assistente social simpática que conquista multidões. Eu sou um editor introvertido que trabalha em casa. Meredith adora treinar com grandes grupos. Já eu defini meus recordes pessoais e desisto de correr quando há mais que cinco pessoas comigo. Meredith é uma pessoa preocupada que procurou tratamento para a ansiedade. Eu tenho distimia, ou depressão crônica em níveis mais baixos. Nós brincamos que Meredith fica acordada até tarde como uma maneira de evitar o dia seguinte. Enquanto eu vou para a cama cedo para acelerar a chegada de um amanhã melhor.

Mas nós temos uma coisa fundamental em comum: Meredith e eu acreditamos que correr pode combater depressão e ansiedade. Nós apreciamos a experiência de terminar um treino pela manhã sentindo que podemos lidar melhor com o resto do dia. Sem correr regularmente, a nossa vida social – amizades, casamentos, carreiras – irá se desgastar. Precisamos correr como um diabético precisa de insulina.

O que a comunidade científica anda descobrindo

Estudos mostram que o exercício aeróbico pode ser tão eficaz quanto os antidepressivos no tratamento da depressão leve a moderada. E também pode desencadear efeitos como a melhora na saúde e no controle do peso e menores chances de disfunção sexual.

Em países como Austrália, Reino Unido e Holanda, as diretrizes oficiais incluem o exercício como tratamento de primeira linha para a depressão. Embora ainda não seja uma recomendação oficial nos Estados Unidos, tem gente que já caminha nessa direção. A psicoterapeuta Sepideh Saremi, de Los Angeles, realiza sessões de corrida com alguns pacientes, por exemplo.

Atriz supera depressão com ajuda da corrida: “Minha dose diária de endorfina”

Mas como o movimento do corpo muda a mente? Diversos trabalhos acadêmicos – tanto em laboratórios quanto com pacientes – mostram que além da endorfina, o corpo produz substâncias calmantes quando em movimento. A ideia de que correr pode combater depressão e ansiedade também leva em conta mudanças estruturais de longo prazo no cérebro, bem como no humor. A ciência continua trabalhando para explicar a teoria por trás do que nós, corredores, já sabemos da prática.

É preciso pensar diferente

Ao contrário de muitos com essa condição, eu nunca fiquei incapacitado pela depressão. A maioria das pessoas acha que sou produtivo, talvez até enérgico. Minha distimia tem dois componentes principais: weltschmerz, uma palavra alemã que significa desapontamento com a realidade (porque ela não corresponde às esperanças da pessoa) e anedonia, uma incapacidade de sentir prazer. A vida às vezes me parece cheia de obrigações horríveis e nada divertidas. As coisas parecem tão sem sentido que eu não me importo com nada.

É possível ser ativo por fora, mas desanimado por dentro. O problema é que isso mascara a depressão e a ansiedade. Em qualquer ano, aproximadamente 10% da população dos EUA poderia se enquadras nos critérios da depressão, e cerca de 20% da ansiedade. A incidência dessas condições na população de corrida é provavelmente similar: uma revisão de 2017 publicada no British Journal of Sports Medicine não encontrou diferenças nos sintomas depressivos entre “atletas de alto desempenho” e não atletas. Todos corredores são afetados. Até os de elite, como o atleta olímpico Adam Goucher e os campeões da Western States 100 milhas Rob Krar e Nikki Kimball.

Claro, todo mundo fica triste e preocupado às vezes. O que distingue esses sentimentos da depressão e ansiedade? A curto prazo, tem a ver com mudanças significativas nas emoções. Sentir-se agitado, ameaçado e desconfortável (para ansiedade) ou sem alegria, letárgico e apático (para depressão) costumam interferir do cotidiano das pessoas com as doenças.

“As doenças afetam as atividades diárias, como dormir, ir ao trabalho e nos relacionamentos interpessoais”, diz Franklin Brooks, assistente social clínico em Portland, Maine. “Há uma diferença profunda entre ‘estou tendo um dia ruim no trabalho’ e ‘estou tendo um dia ruim no trabalho e por isso não vou sair da cama amanhã’.”

Entenda como a corrida pode atuar no tratamento da depressão

Exemplos reais

Essa representação clássica da depressão se parece em muito com o que Amelia Gapin, engenheira e maratonista de Nova Jersey, vivenciou. “Durante seis semanas, nem consegui sair da cama”, diz ela. “Aos sábados e domingos, levava horas para ir até o sofá.”

Ian Kellogg, um universitário da Universidade de Otwaybein, em Ohio, disse: “Quando eu caio em depressão, na maioria das vezes não corro. Não consigo encontrar energia e nem força de vontade para sair, mesmo sabendo que meu treino será comprometido. ”

Pati Haaz, de 42 anos, também conhece essa forma de depressão, mas conseguiu usar a corrida para superá-la. Em junho de 2015, a profissional de finanças de Nova Jersey teve um aborto espontâneo enquanto estava grávida de dois meses. Então começou a faltar no trabalho. “Eu não queria sair da cama, não queria sair da minha casa”, diz ela. “Era um sentimento de que não vale a pena continuar. Eu não tinha motivação para fazer outra coisa senão cuidar dos meus filhos.”

Haaz começou a ir em um terapeuta que a questionou sobre o que ela gostava de fazer antes da depressão. Haaz disse que era uma corredora, e antes de engravidar planejava realizar sua primeira maratona. O terapeuta a incentivou a retomar a corrida. Ela então decidiu que precisava terminar uma maratona para superar a inércia que a depressão introduzira em sua vida.

Ela descobriu que o treino para a maratona a ajudou. “Geralmente, eu fazia 16 km por dia”, diz Haaz. “Mas no processo, estava fazendo muito mais. Percebi que poderia levar este senso de realização para outras áreas da minha vida. ”

Até mesmo as distâncias mais curtas ajudaram Haaz a pensar de forma diferente. “Se eu ficasse pensando nas coisas que me deixavam triste, só pioraria – seria como uma espiral, não haveria fim. Mas quando eu corria, mesmo que pensasse nessas mesmas coisas, era capaz de processá-las de forma diferente. Então, eu começava minha corrida com os pensamentos negativos, mas depois de alguns quilômetros, eles sumiam”. Cinco meses depois de seu aborto espontâneo, Haaz completou a Maratona de Nova York em 6:38.

Reformule seus pensamentos

Reformular os pensamentos – ou seja, pensar de maneira diferente sobre os tópicos que o magoam – é uma boa estratégia. Cecilia Bidwell, advogada de Tampa, na Flórida, tem ansiedade e explica: “Quando estou correndo, os pensamentos entram e saem, e não me deixam preocupada”, diz ela. “Eu consigo pensar sobre as coisas de modo objetivo. Percebo que elas não são um grande problema na minha vida”.

A corrida também influencia nos dias estressantes de Cecilia. “Quando eu treino pela manhã, sei lidar muito melhor com as coisas que acontecerem pela tarde”.

Focar no que você faz no momento – correr, no caso – também contribui para a calma. “Quando estamos sobrecarregados de ansiedade e depressão, prestar atenção na tarefa imediata tira nosso pensamento e emoções da trincheira da negatividade ”, diz Laura Fredendall, psicóloga dos EUA.

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Esse deslocamento da atenção funciona muito bem com os corredores. Em um estudo de 2008 publicado no Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, maratonistas, corredores amadores e não praticantes andaram ou correram por 30 minutos em um ritmo que consideraram difícil. Após o treino, o humor de todos melhorou, mas o dos maratonistas e corredores melhorou cerca de duas vezes mais do que o dos sedentários.

A razão para isso é que corredores podem manter um bom ritmo por longos tempos sem ficar anaeróbicos, e isso permite que os processos fisiológicos melhorem o humor, afirma Panteleimon Ekkekakis, professor da Iowa State University, nos EUA.

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Como correr pode combater depressão e ansiedade

O que causa a sensação de felicidade? Embora a resposta rápida sejam as endorfinas produzidas pelo corpo, elas não são o único aspecto relevante na química do cérebro.

As endorfinas entraram no vocabulário dos corredores na década de 70. Foi quando descobriu-se que essas substâncias químicas são liberadas em grandes quantidades durante uma corrida. Em termos práticos, no entanto, a relação entre os níveis de endorfina e bom humor só foi comprovada em 2008.

Mas as endorfinas não são tudo. Como parte de sua pesquisa sobre evolução humana, David Raichlen, professor de antropologia da University of Arizona, nos EUA, mediu os níveis de endocanabinoides antes e depois da corrida em humanos, cães e furões. Os endocanabinoides são substâncias que se ligam aos mesmos receptores no cérebro do que o THC, a principal substância da maconha.

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Possíveis explicações

Raichlen diz que há duas principais teorias sobre por que a corrida causa aumento nos níveis de endorfina e endocanabinóide. Primeiro, quando os humanos se tornaram caçadores, há cerca de 2 milhões de anos, eles ficaram mais ativos. A liberação dos compostos químicos foi então necessária para permitir movimentos mais longos e rápidos. Nesse cenário, o bem-estar foi apenas uma consequência da evolução.

Já a segunda hipótese diz que os primatas que carregavam no organismo níveis mais altos das substâncias eram os que tinham mais chances de sobreviver, uma vez que eram mais ativos e motivados na busca por alimentos. Raichlen diz que as duas seleções naturais podem ter funcionado em conjunto.

Seja qual tenha sido principal mecanismo para as adaptações evolutivas, elas são úteis para corredores com problemas de saúde mental hoje em dia.

Sem contar que correr pode combater depressão e ansiedade ao longo do tempo graças a uma mudança na estrutura do cérebro. Uma revisão de pesquisas publicada na Clinical Psychology Review concluiu que “o treinamento físico recruta um processo que confere resiliência duradoura ao estresse”. Isso ocorre porque a corrida produz os mesmos efeitos que os antidepressivos. Entre eles está o aumento dos níveis de neurotransmissores serotonina, norepinefrina e neurogênese, além da criação de novos neurônios.

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Contudo, você também precisa de uma pequena dose de vontade para melhorar. Sair de casa pode ser muito difícil para quem está deprimido. Mas a sensação que correr em um dia difícil vai te proporcionar trará mais ânimo para os próximos treinos.

Sim, eu consigo

Uma característica marcante da depressão é o pensamento absolutista e autodestrutivo. “Tudo é mais difícil do que deveria ser”, “não há prazer em minha vida”, “sempre será assim”. Aprendi que pôr o pé na estrada é uma ótima maneira de evitar esses pensamentos. Diariamente, correr me lembra que posso superar a apatia e o desânimo. Conquistando pequenas vitórias, posso me convencer de que consigo bater minhas metas profissionais. “A experiência subjetiva de ver a si mesmo fazendo algo pode fazer você se sentir melhor”, diz Fredendall.

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Já Ekkekakis conclui que é preciso internalizar os benefícios que a corrida pode trazer. “Se você toma antidepressivos e eles fazem você se sentir melhor, a atribuição psicológica é externa – os pacientes acreditam que a razão pela qual eles melhoram é por causa da droga que tomam”, diz ele. “Com o exercício, a atribuição é interna – a razão pela qual fico melhor porque malho, estou me esforçando. O benefício adicional do exercício em comparação com os antidepressivos é a sensação de poder e do o controle da situação.”

Somente correr pode combater depressão e ansiedade?

A resposta curta é que ninguém sabe ao certo, e não existe uma pesquisa comparando vários esportes.

O que a gente sabe, hoje em dia, é que o exercício intencional é melhor do que a atividade física não-intencional. Um estudo publicado na revista Medicine & Science in Sports & Exercise descobriu uma melhora no humor das pessoas depois que elas se exercitaram. Mas isso não acontecia após atividades do dia a dia, como subir escadas. Além disso, o exercício aeróbico se mostrou mais eficaz do que a musculação. O exercício aeróbico parece mais eficaz do que algo como levantar pesos. Inclusive, uma revisão da pesquisa publicada na Preventive Medicine descobriu que pessoas com baixos níveis de aptidão cardiovascular tinham maior risco de desenvolver depressão.

Mas por que então a corrida é tão eficaz?

Quando perguntei a Raichlen sobre a corrida em relação a outras atividades, ele me disse que “é muito mais fácil conseguir uma intensidade razoável na corrida em comparação com muitos outros esportes”. E completou: “não é muito difícil atingir uma intensidade moderada ao correr. Você tem muito mais controle sobre sua velocidade do que andando de bicicleta, por exemplo, onde seu nível de esforço é ditado pela topografia”.

“Eu me interessei um pouco por triatlon”, disse Rich Harfst, funcionário do governo federal e maratonista em Virgínia, diagnosticado com depressão na adolescência. “Eu já fiz ioga e fiz ciclismo. Nada é o mesmo que correr”.

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Essa também tem sido minha experiência nas últimas quatro décadas. Quando me lesiono e preciso mudar de modalidade, os exercícios em si são apenas para a minha resistência física- eu os faço porque sei que preciso deles.

Mas quando corro, é diferente. Algumas vezes no mês, geralmente enquanto treino em uma trilha arborizada e iluminada pela manhã, sou tomado por uma sensação que pode ser traduzida como um “SIM”. Sim para o que vier pela frente, sim para a própria vida. Se eu pudesse guardar esse sentimento, acabaria esquecendo o que é estar deprimido.

Este artigo foi adaptado de Running Is My Therapy, de Scott Douglas, lançado em 2018.