Corredor dobra prova de Nova York e faz duas maratonas em um dia

Por Thieny Molthini, da Runner's World

Brasileiro corre duas maratonas em um dia
Foto: Bruno Marçal

Completar a Maratona de Nova York é, provavelmente, uma das maiores metas dos corredores amantes dos 42 km. Realizar o percurso de duas maratonas em um dia, então, é o sonho de muitos. A prova, realizada sempre no primeiro domingo de novembro de cada ano, passa por cinco bairros da cidade norte-americana, saindo de Staten Island, passando por Brooklyn, Queens, The Bronx e Manhattan e com chegada no icônico Central Park. Uma das mais concorridas majors atrai milhares de corredores, e ser um dos sorteados para a prova é, sem dúvida, um privilégio.

E são inúmeros os preparativos, tanto físicos quanto mentais. Percorrer uma maratona não é fácil. Em outro país (como em qualquer lugar desconhecido) há ainda os cuidados com fatores como percurso e condições climáticas.

Brasileiro corre duas maratonas em um dia
Foto: Bruno Marçal

Feito tudo isso – o que não é pouco –, é chegada a hora da prova. Organização e preparação para enfrentar voos, chegar com alguns dias de antecedência, entender o fuso horário, jet lag (aquele distúrbio temporário de sono devido a uma viagem com fuso horário) e um cardápio que, talvez, não seja o seu habitual. E com qual finalidade tudo isso? Completar os 42 km o mais próximo possível do planejado.

Jornalista começa a correr depois dos 30 e conquista 30 pódios em três anos

Ler e tentar fazer um pequeno roteiro – apenas mental – com base nessas variáveis não é tão simples. Agora, imagine planejar tudo isso com o propósito de fazer duas maratonas em um dia. Pois é…

Limitações e superações

Não, você não entendeu errado. Foi exatamente isso que José Júnior fez. Ele não foi a Nova York apenas para percorrer uma das maiores maratonas do mundo, mas para dobrá-la. Ele correu a prova duas vezes.

Arquiteto de sistemas, Júnior é apaixonado por corridas. Hoje com 38 anos, ele deu as boas-vindas ao esporte em 2005, quando tinha 24 anos, influenciado por amigos do seu trabalho. “Como eu estava gordinho, não conseguia correr nem 1 km de forma consecutiva, mas eu não desistia de tentar. E assim foi até eu correr 5 km direto”, lembra o corredor.

Ainda em 2005, Júnior, que começou a se sentir bem nos 5 km, decidiu se aventurar nos primeiros 10 km, porém os resultados foram desastrosos. “Foi horrível! Sair dos 5 para os 10 km sem orientação correta não foi uma boa ideia, mas mesmo assim terminei (vivo) a prova.” Contudo essa foi apenas uma pequena decepção, uma mostra de que teria que treinar muito para enfrentar (e conquistar) todos os desafios que ele assumiria em seu caminho.

Depois de quase três anos de convívio com a corrida, Júnior decidiu fazer seus primeiros 42 km, a Maratona de Florianópolis de 2008. E então veio o choque após um longão de 32 km: diagnóstico de condromalácia patelar nos dois joelhos e a recomendação médica de percorrer apenas 21 km porque “maratona não era para qualquer pessoa”. “Nessa época eu já estava em uma assessoria esportiva, e o meu treinador, na época o Emerson Bisan, afirmou que eu conseguiria, sim, fazer os 42 km e, se eu quisesse, até uma ultramaratona”, conta Júnior.

Brasileiro corre duas maratonas em um dia
Foto: Bruno Marçal

Ele ficou seis meses sem correr. Nesse tempo, foram 40 sessões de fisioterapia, alongamento – mais adiante –, pilates e alguns quilos a menos. Então, em 2009, Júnior realizou a sua primeira maratona, no Rio de Janeiro. Até chegar em Nova York, em novembro de 2018, ele fez 38 maratonas e 19 ultramaratonas. A major foi a sua oitava maratona daquele ano.

Preparando as engrenagens

Correr maratonas, ultras, dobrar provas… Júnior sempre gostou de testar os seus limites. “Em 2014, corri 100 km em 10h40 numa pista de atletismo. Acho que foram 267 voltas”, lembra o corredor. “Eu nunca fui de competir, mas, assim que o locutor falou que eu estava em 3º lugar, endoidei de vez. No fim, fiquei em 5º lugar na minha primeira corrida de três dígitos.” A sensação desse momento ele carrega até hoje. “Foi demais, só gente experiente.

É preciso estratégia nesse tipo de prova, e eu nem sabia se conseguiria fazer os 100 km no tempo limite de 12 horas.”

Após ficar tetraplégico, atleta se recupera e volta a correr

De trás para frente

Com aproximadamente três meses para a Maratona de Nova York, a ideia de dobrar a prova surgiu. Júnior pensava como poderia chegar até a largada: ônibus, saindo de Manhattan, ferry boat ou um ônibus da agência de turismo. “Aí me veio a ideia: ‘Por que não vou correndo até a largada?’”, lembra.

A ideia, no entanto, não era uma novidade para o corredor. Em 2017, ele havia feito o seu primeiro desafio do gênero, quando correu duas maratonas em um dia no Rio de Janeiro. “Eu fui com dois cariocas, eles estavam triplicando a prova (126 km), e eu, duplicando. E foi emocionante correr na madrugada, chegar na largada e correr com todos na prova mais bonita do Brasil”, conta.

Com a ideia em mente, Júnior foi conversar com sua então namorada e uma amiga, ambas ultramaratonistas, para ver se elas dobrariam a maratona com ele. Ambas já fariam três maratonas em semanas consecutivas nos EUA (três domingos seguidos). “Eu fiz duas porque tinha que voltar para trabalhar”, comenta o corredor.

Preparação para as duas maratonas em um dia

Nesses três meses de pré-prova, Júnior começou a estruturar o seu plano de ação. Primeiro ele precisou pegar o trajeto oficial da maratona e invertê-lo. Em seguida, estudar os horários de fechamento das ruas.  “O site da Maratona de NY é excelente e muito organizado e mostra até os horários que as ruas fecham para a corrida”, ressalta.

Outra coisa com a qual Júnior teria que lidar seria o frio. “Tive que correr de calça e bermuda, por causa dos bolsos, e uma pochete. Além disso, carreguei blusas, água e géis que tomaria na primeira e também na segunda parte”, conta. “Fora a questão estrutural, eu precisava fazer planos alternativos. Eu tinha muito receio de algum policial me abordar – uma vez que Nova York é a cidade mais preocupada com terrorismo –, de alguma rua estar em manutenção, ter dificuldade na travessia das pontes.”

O cuidado com a alimentação também não ficou de fora – Júnior conta com a mesma nutricionista desde 2009. “Uma semana antes da Maratona de Nova York, eu corri a Maratona Marine Corps, em Washington, e a estratégia era fazer o meu recorde pessoal nessa prova. E deu certo. Baixei de 3h28, que havia feito em Porto Alegre, também em 2018, para 3h19. Para isso, reduzi 5,3 kg em exatos 50 dias de dieta com jejum intermitente e low carb. A dificuldade maior era me manter rápido e forte sem consumir carboidrato.”

O que eu aprendi em uma sessão de terapia de corrida

O Grande dia

E assim, com planejamento, determinação e muito foco, Júnior estava preparado para o grande dia. O corredor chegou em Nova York no dia 2 de novembro para a maratona que aconteceria no dia 4. “Como já estava com um volume alto de treinos, só corri 5 km na prova que antecede a maratona.” Agora era seguir os planos e ir adiante, rumo à “double marathon”, como ele fala.

Brasileiro corre duas maratonas em um dia
Foto: Bruno Marçal

A missão começou 1h30 da manhã, ainda sozinho. Júnior tinha como objetivo chegar até as 6h30 da manhã na emblemática ponte Verrazano, antes que ela fosse fechada. Na largada oficial ele encontraria o resto de sua equipe para a segunda parte do seu projeto. “Então eu teria no máximo 5h para fazer todo o percurso ao contrário. Consigo correr confortavelmente uma maratona em 4h e teria 1h para comprar água, olhar o mapa para conferir caminhos e resolver algum imprevisto.”

Do começo ao fim

E ele conseguiu. Foram duas maratonas em um dia correndo durante todo o percurso. “Como a organização não permite pessoas andando na ponte, eu precisei chegar até 400 metros antes da ponte e dali pegar um Uber para atravessá-la e chegar na largada da prova.” Nesse intervalo entre os primeiros 42 km e a prova oficial, Júnior conseguiu algum tempo de descanso, já que a sua chegada à ponte deveria acontecer até as 6h35, e a largada do seu pelotão seria às 10h15.

Ao todo foram 9h24 de prova, sendo 4h19 na primeira e 5h05 na segunda. “O objetivo maior era chegar a tempo do fechamento da ponte Verrazano, e para isso eu precisei focar”, conta. “Já fiz muitas provas, muitas maratonas e muitas ultras, mas não senti nada como chegar no Central Park. Realmente, Nova York é a mãe das maratonas.”

Mas ele não quer parar por aí. Dobrar maratonas virou a sua paixão. “Quero dobrar todas as provas. Eu já tentei fazer isso na SP City Marathon. Mas essa foi diferente. Saí de Guarulhos às 2h da manhã e corri 24 km até o Pacaembu, de onde a maratona largava. Depois corri os 42 km com chegada no Jóquei. De lá, eu queria ir até Guarulhos correndo, totalizando 105 km, mas minhas costas começaram a doer por causa da mochila e eu desisti no Km 76”, lembra, sempre com bom humor.

Para este ano, ele já tem seis maratonas programadas, e sua maior meta é outra grande e disputada major: Boston. “O foco principal é baixar ainda mais o meu tempo de maratona (3h19) para, quem sabe, conseguir o índice para correr a Maratona de Boston.

E, se eu for para Boston, vou dobrá-la também! Já pensou que legal eu ser o primeiro corredor que dobrou todas as majors? Seria demais!”

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here