Maratona de Nova York: um lindo dia de chuva

Nem a chuva ameaçou o clima de alegria em volta da Maratona de Nova York

Por Ricardo Chester

Deixemos a minha prova para a última linha deste texto. Melhor falar da prova de todos.

A primeira coisa que me perguntaram quando retornei ao Brasil é se a prova tinha mais segurança que o habitual. Não percebi diferença. A não ser em dois momentos.

Havia barricadas (uns blocos de concreto branco imensos) nas calçadas do Javits Center, local da Expo. E ao lado da balsa para a Staten Island eu notei uma pequena embarcação militar, com um marinheiro segurando um imenso fuzil na proa. No mais, a segurança de sempre.

Na verdade, muita segurança, policiamento forte e ostensivo – havia poucos dias do atentado na Chamber Street (a apenas 5 km de distância do local da Expo). Mas isso, com sinceridade, não aumentou a minha sensação de segurança.  Nas outras duas vezes em que corri lá, 2011 e 2015, também foi assim.

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Mantendo a cronologia do fim de semana da prova: a primeira providência, claro, foi ir até a Expo. A eficiência na entrega do bib e também da camiseta manteve a perfeição de sempre. Em menos de um minuto eu tinha tudo o que precisava para correr a prova.

Notei que o kit deste ano era de um minimalismo impressionante: a sacola transparente (item obrigatório no regulamento), a revista da prova, a camiseta de manga comprida e só. Nada de folheto, cupom, nada. Só o essencial.

Saindo dos balcões de credenciamento, você passava pelo imenso estande da New Balance, a marca de artigos oficiais da prova. Fiquei impressionado com o tamanho. Dava a impressão de que o estande era a feira toda de tão grande.

O espaço tomado pelo patrocinador praticamente não deixou muita Expo para os estandes menores, colocados do lado do estande principal. Sempre achei a Expo da NYC Marathon mais muvucada que a de Chicago (a melhor que já fui), e a sensação de aglomeração e confusão aumentou este ano. De qualquer maneira, mesmo bagunçada, a feira é bastante variada e completa.

Kit na mão, gel na pochete, tudo isso na sexta.

Sabadão tem um dos momentos que mais curto em maratonas: o trote da véspera. Meu grupo, perto de 45 atletas da Assessoria MPR, se reuniu em frente ao Plaza Hotel no Central Park.

Nosso trote se misturou ao finzinho da prova de 5 km, prova que é muito útil para quem nunca correu em NYC porque quebra o gelo legal e você se diverte pelo meio de Manhattan, o que é sempre uma emoção diferente, especialmente para quem nunca correu ali.

Aí chegou o domingão.

Escolhi o transporte da balsa e, pela primeira vez em três anos, algo não deu certo na organização. Não havia vazão das balsas para os ônibus, já em Staten Island. Fiquei mais de uma hora em pé, depois de ter saído da balsa, porque os ônibus lá na frente não escoavam a fila. Minha onda de largada estava prevista para as 11h da manhã. Meu último minuto de Bag Check (local onde deixamos nossos pertences, e então um caminhão da UPS leva sua sacola para um local próximo da chegada) seria às 10h da manhã. Mas o atraso do transporte fez com que eu chegasse apenas 10h10 no parque da largada. Correria.

Felizmente, os caminhões da UPS esperaram mais um pouco antes de fecharem as portas. Mas foi o tempo de entregar a sacola, passar vaselina nas partes que precisam e entrar no curral.

Perdi um momento também precioso de uma maratona: ver os tipos que correm uma. É muito interessante. Mas este ano não teve jeito. Nem café com bagel, outra conveniência bastante boa da NYC Marathon, deu pra aproveitar este ano. Aposto que teve gente que não conseguiu fazer o Check Bag porque largou bem depois de mim e muito fora do horário.

Mas, enfim: agora a prova, em si.

Indo de Manhattan para Staten Island chovia uma garoa intensa, uma cortina de água. Não havia qualquer chance de a prova não ser com chuva, em que pese a temperatura estar bastante agradável para correr.

Não havia qualquer necessidade de casaco, sequer para alinhar na largada. Mas chovia. O que me fez pensar que a corrida deste ano seria bem diferente, com menos torcida e mais silenciosa.

Em 2017, descobri que o norte-americano não confunde dia feio com chuva. Especialmente em dia de Maratona de NYC. A audiência era tão numerosa e empolgada quanto nas duas outras vezes em que lá larguei, ambas com sol.

Saí tarde, tinha planejado uma prova bem lenta, e com chuva imaginei que chegaria em um Central Park vazio, sem qualquer animação e energia. Quanto engano. Faça chuva ou faça sol, NYC faz da sua maratona um domingo de alegria, de celebração, de dança, de música, de cidadania, de exemplo para os filhos.

Vi centenas e centenas de crianças tomando chuva pelo caminho, pelo simples prazer de gritar nossos nomes e tocar nossas mãos. Se a gente não perde uma Maratona de NYC por nada, NYC também não perde esse dia por nada. O que é uma chuvinha perto de uma cidade querendo viver um dos grandes momentos do seu ano?

E assim foi, do começo ao fim da prova.

Tenho a impressão de que se a prova fosse feita em janeiro, com neve pelos joelhos da torcida, seria da mesma forma. Não sei a opinião dos demais corredores nem dos especialistas, mas eu tive a impressão de que a prova foi disputada em condições muito favoráveis. Foi a primeira vez que corri 42 km na chuva e achei uma boa experiência, porque pude controlar o gás com mais facilidade.

Terminei a prova e, como havia escolhido o Bag Check (há também a opção de não deixar os pertences antes da prova), ainda andei por 90 minutos até chegar em casa. Mas, confesso, repetiria isso: colocar um par de Havaianas e uma roupa seca e limpa depois de tantas horas correndo foi uma grande providência.

A chegada é na altura da rua 68, e a saída do Central Park, na rua 86. Cruzar o parque já de medalha no peito foi uma experiência e tanto, que recomendo apesar das três imensas escadas pelo caminho até a 5a Avenida, onde a prova seguia solta.

Na segunda-feira, já no aeroporto para a volta para casa e ainda com a medalha no peito, para manter a tradição, fui abordado por um senhor, aparentemente com mais de 65 anos. Ele também trazia sua medalha e esticou a mão para um cumprimento fazendo logo uma pergunta:

― Com esta, quantas maratonas você já fez?

― Doze, respondi.

― Vinte e seis… só aqui em NYC, disse ele.

― Você fez todas as suas maratonas aqui?

― Não, esta aqui foi a minha 133ª.

O senhor, que vive em Boston e também voltava para casa naquela noite, deu um sorriso simpático e se foi. Eu, olhando aquele homem andando vagarosamente, pensei: Será que ainda terei a chance de correr 26 vezes aqui? Se tiver, vou tentar.

NYC é uma maratona cheia de subida, cheia de curva. Mas em poucos lugares você vê tanta alegria. Seja nas calçadas, seja no meio da rua, seja no coração dos corredores como aquele senhor do aeroporto.

Ah, terminei em 4h54, 14 minutos acima do planejado pelo meu técnico. Terminei como se tivesse sido a minha primeira prova na distância.

A prova deste ano deixou coisas tão boas em mim que já anotei o dia da abertura do sorteio para 2018: é 15 de janeiro. Vai estar nessa também?