Movida à paixão

Um acidente quase custou a vida de Anelive - mas a corrida a fez seguir em frente

Por Petra Monteiro

“Lembro-me do carro vindo em nossa direção e, então, só me lembro de acordar no hospital”. Essa é a recordação que Anelive Torres guarda do acidente que sofreu em 2014, quando se preparava para sua primeira maratona. Ela corria com o treinador e uma amiga na USP – local tradicional de treino em São Paulo, que reúne milhares de atletas todos os sábados -, quando um carro desgovernado veio em direção a eles. “Foi tudo muito rápido, só deu tempo de pensar ‘já era’, e então tudo se apagou”, conta.

Nascida em Caconde, São Paulo, Anelive sempre gostou de praticar esportes. Quando criança, fez natação, balé e jazz. “Na adolescência, veio o vôlei na escola. Peguei muito gosto e comecei a treinar de verdade. Fazia parte do time da cidade e participava de vários campeonatos”, conta, enfatizando ainda que, “apesar de não ter altura suficiente, era atacante”.

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A corrida surgiu na vida da biomédica em 2007, durante uma viagem para Washington (EUA). Anelive foi para a capital norte-americana para estudar inglês, e logo se encantou com a grande quantidade de corredores pelas ruas. “Então saí para comprar um tênis de corrida e comecei. Trotava e andava. Quatro meses depois, fiz meus primeiros 10 km”.

Vieram então cerca de 15 provas de 10 km e seis de 21 km. A tão sonhada estreia na maratona já tinha data e local: Buenos Aires, outubro de 2014. Ela treinava forte para isso, estava focada. Mas, em agosto daquele ano, o fatídico acidente adiaria seus planos.

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Com a pancada, Anelive teve cinco ligamentos rompidos – três no joelho esquerdo e dois no direito -, além de duas fíbulas quebradas. “Ao acordar, tive a sensação de estar sonhando. Aos poucos fui compreendendo o que havia acontecido. Ainda não tinha noção da gravidade, mas sentia minhas pernas mexerem, o que me acalmou. Só fui entender tudo quando soube que o sr. Álvaro, que também corria conosco, veio a falecer”, relembra. “Chorei muito, especialmente por não saber se voltaria a correr. Não dá para descrever o que senti. Pensei muito nos meus filhos no meu marido enquanto era atendida pelos bombeiros”.

Passado o baque inicial, era a hora de enfrentar a pesada rotina do tratamento. Nos cinco primeiros meses, Anelive fazia sessões diárias de no mínimo três horas de fisioterapia. Toda a musculatura adquirida na fase de preparação para a maratona, ela perdeu em poucas semanas. “Fiquei na cadeira de rodas por quase dois meses. Não tinha músculos para subir um degrau de escada. Quando saí da cadeira, fui para o andador e, depois, para muletas. No final, precisei reaprender a andar sem apoio”, conta.

A confiança na promessa do médico manteve Anelive firme e forte durante o processo de reabilitação. “Desde que o ortopedista me disse que eu voltaria a correr, apeguei-me a isso e fiz tudo que pude”, diz. Mesmo na cadeira de rodas, ela não deixou de levar uma vida normal. “Encontrava minhas amigas para tomar um café, ia a aniversários, saía para jantar com meu marido. Não tinha a menor vergonha. Nunca tive nenhum tipo de sentimento ruim com o acidente, seja medo, depressão ou angústia”, conta.

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Ela admite que a tristeza dava as caras de vez em quando e que sentia uma “coceira” nos pés quando via os amigos correndo, especialmente nas provas de fim de semana. Mas Anelive sabia que aquilo era passageiro e que logo derramaria seu suor pelo asfalto da cidade. Foram sete meses até o primeiro trote depois do acidente. “Não me esqueço da emoção que senti em fazer isso novamente”, relembra.

A readaptação à corrida foi lenta e gradual e feita em boa parte durante as sessões de fisioterapia. Cada novo passo só era dado se a musculatura respondesse bem ao estímulo. A distância foi aumentando aos poucos e, quando teve alta, Anelive passou aos treinos específicos de corrida sob orientação dos treinadores da assessoria esportiva Race. “Antes do acidente, eu corria 60 km semanais. Hoje, com 36 anos, devido ao retorno relativamente recente às pistas, corro, em média, 35 km”, afirma. “Mas muita coisa mudou: meu jeito de pensar, de agir, de encarar a vida. Descobri que tenho uma força gigantesca que não me deixa desistir dos meus sonhos. Descobri uma Anelive que eu nem conhecia”.

Em 2015, sua grande meta era voltar a correr uma prova de 21 km, distância pela qual é apaixonada. Então, em outubro do ano passado, na W21K, ela não só atingiu esse objetivo como conquistou seu novo recorde pessoal. “Treinei muito focada, e o resultado apareceu: fiz em 1h53! Foi muito emocionante, cruzei a linha de chegada pulando de alegria!”, conta.

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Sempre em frente
Confira quatro dicas de Anelive para manter sempre o foco, mesmo em momentos difíceis

  • Tenha um motivo forte para treinar. Quando você sentir que não tem mais forças, essa razão vai te levar adiante;
  • Trace objetivos ambiciosos, mas realistas, e estabeleça um prazo para atingi-los;
  • Procure ajuda de profissionais capacitados para auxiliar você no processo. Eles lhe darão suporte técnico e motivacional;
  • Seja dedicado e persistente e sempre pense positivo.