Renê Jerônimo: conheça o homem por trás da primeira corrida de rua de Noronha

Por Patrícia Beloni, da Runner's World Brasil

foto por Rafaski/ Olympikus

Renê Jerônimo de Araújo cruzou a linha de chegada da corrida que leva seu nome com um sorriso radiante no rosto e aquela sensação de dever cumprido. Aplaudido por todos que estavam ali, aos 77 anos, ele completava os 14 km do percurso de tirar o fôlego, com vista para a orla do mar e para um horizonte sem fim do oceano. Ali ele completava a 7ª Corrida Renê Jerônimo, em Fernando de Noronha (PE).

Grande incentivador do esporte, seu Renê, como é conhecido na ilha de 6.000 habitantes, dedica seu tempo a ensinar os moradores do arquipélago a correr. E foi dele a ideia de, em 2011, promover a primeira corrida de rua de Noronha, em homenagem ao aniversário da ilha. Hoje, sete anos depois, Renê é uma espécie de ídolo local.

Na edição de 2018 da prova, pela primeira vez o evento contou com o patrocínio de uma grande marca esportiva, a Olympikus. A corrida aconteceu no dia 4 de agosto, com largada no porto de Santo Antônio, e teve cerca de 165 inscritos nas categorias 5 km e 14 km. Pela primeira vez, as inscrições esgotaram-se.

Com o investimento, a prova contou com mais estrutura e premiação mais generosa. “Apesar de uma prova pequena, é um evento querido pelos moradores. E ver como a prova acontece – toda a comunidade envolvida, toda a energia que as pessoas colocaram nela, a mobilização da ilha toda etc. – fez com que a gente tivesse certeza de ter feito o certo. É um cenário lindo e a história do seu Renê é muito forte, muito bacana”, comenta Márcio Callage, diretor de marketing do grupo Vulcabras Azaleia, que tem a Olympikus como uma de suas marcas.

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O ator Bruno Gagliasso participou da prova em 2018. Foto: Castelinho/Rafaski/Runner’s World Brasil

Filho adotivo da ilha

Seu Renê chegou em Fernando de Noronha aos 17 anos. “Nem lembro o que eu vim fazer. Só queria trabalhar para me sustentar e ter paz, segurança, viver mais tranquilo”, conta ele. Sua mãe morreu quando ele ainda era pequeno, e, então, ele foi criado pelos tios, Maria Jerônimo de Araújo e José Jerônimo de Araújo. Por volta dos anos 1950, eles se mudaram para a ilha em busca de uma vida melhor. “Eu também queria recomeçar. Não tinha amizades, tinha parado de estudar. Não havia mais o que fazer lá”, revela.

Isso foi logo depois da 2ª Guerra Mundial, época em que o exército tomava conta da ilha. De acordo com seu Renê, a região era considerada a fronteira do país e ainda estava sendo estruturada. Por isso precisava de mão de obra. E Renê foi trabalhar com o que “aparecesse”. Chegou a fazer limpeza da ilha, cortando mato, e pescar profissionalmente por um tempo.

Até que, a pedido do governo, foi para Recife, com a Marinha do Brasil. Lá trabalhou com máquinas de navios: ficava cerca de 90 dias em alto-mar. Mesmo assim, estudava por conta, conseguiu se formar em náutica e virou comandante.

Um amor chamado Noronha

Entre idas e vindas à ilha, ele voltou para Fernando de Noronha só em 1985, exclusivamente com o propósito de ajudar o arquipélago. Passou a auxiliar na navegação, trazendo produtos, combustível, comida. Ajudava as pessoas a se locomoverem, principalmente quem não tinha dinheiro. Chegou a ter pousada, mercado, bar. “Eu ganhava muito dinheiro aqui”, lembra dando risada. “Mas eu só queria ajudar a ilha, deixar todo mundo feliz, sabendo que aquilo que eu estava fazendo não era bom só para mim, mas para a comunidade.”

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Assim, tentou se candidatar às eleições locais. Apesar do seu envolvimento com as questões políticas, perdeu e passou a focar suas energias na corrida. E hoje ele tem orgulho de falar que já ajudou centenas de pessoas a se tornarem mais saudáveis com o esporte. Para Renê, quando alguém se transforma em um atleta, não melhora só sua vida, sua saúde. “Quem pratica esporte aprende a ter caráter.”

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Foto: Castelinho/Rafaski/Runner’s World Brasil

O esporte transforma

Hoje entusiasta e praticante do esporte, Renê começou “tarde” na corrida. Embora tenha corrido aos 8 anos quando era escoteiro, só se tornou de fato um corredor em 2009. “Nos primeiros 10 km, usei um tênis que só de olhar já dava calo”, conta Renê, que desmaiou ao chegar. Estava sem voz, mal sentia as pernas. O primeiro pódio veio na Corrida Histórica das Ladeiras de Olinda, em que ficou em  1º lugar. “A partir daquele momento, passaram a querer me conhecer. E comecei a ter amigos”, conta saudoso do dia. A paixão pela corrida cresceu tanto que fez seu Renê correr meias, maratonas e até ultras.

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Renê pretende desenvolver um plano de atividade física para os cidadãos de Noronha. “Todos eles”, fala com determinação. Recentemente, promoveu uma corrida de 100m para crianças de 6 e 7 anos. “Foi a coisa mais bonita que eu já vi”, conta.

Seu Renê sabe que tudo isso ainda é apenas um embrião, mas ele realmente tem muita esperança. “Isso é um legado que eu vou deixar. Porque Deus dá uma oportunidade, mas não diz por quanto tempo. Dá hoje e pode tirar amanhã. Então temos que aproveitar ao máximo.”

Legado

Renê toca um projeto voluntário em Fernando de Noronha com um grupo fixo de
15 alunos da Escola de Referência em Ensino Médio. “Vem quem quer”, ele explica com sua característica simplicidade. Graças a ele, muitos moradores de Noronha mudaram para melhor suas vidas por causa da corrida.

Nas aulas, ele dá dicas para quem quer começar a correr, fala sobre postura, pisada, alimentação e hidratação. “Um corredor não pode correr olhando para o chão. Precisa olhar para a linha do horizonte, para ter visão de 180 graus”. E seu Renê está mais do que certo. É praticamente um crime correr em Noronha olhando para baixo com a paisagem incrível que se tem ao longo do caminho.