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A nutrição esportiva evoluiu, mas estes clássicos continuam fortes aliados da corrida

Ilustrações: Andrew Joyce.

Por Kelly Bastone

Parece loucura correr uma maratona sem beber nada durante o percurso. Mas esse era o padrão até os anos 1960. “Acreditava-se que tomar bebidas geladas durante a corrida causava aquela pontada lateral”, explica Amby Burfoot, vencedor da Maratona de Boston em 1968 e correspondente da Runner’s World. Comer durante a corrida? Impensável. “O conceito de nutrição esportiva não existia como existe hoje”, diz Bill Gamber, cofundador da Honey Stinger, empresa de suplementos orgânicos para atletas. Nos anos 1980, ele ficava tão faminto durante suas provas de Ironman que devorava um frango assado inteiro depois de cruzar a linha de chegada.

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A ciência ajudou os corredores a entenderem o poder da alimentação adequada, e hoje a nutrição esportiva se transformou em uma indústria multibilionária. Enquanto corredores escolhem suas marcas favoritas, os princípios são os mesmos: carboidratos simples, eletrólitos, cafeína, proporção entre carboidrato e proteína e proteína para a recuperação. Aqui temos uma visão sobre os principais marcos da nutrição esportiva e sua importância para os corredores hoje.

1965: BEBIDAS ESPORTIVAS

Até os anos 1960, os atletas não conheciam a importância da hidratação, e maratonistas não eram autorizados a beber água antes da metade da prova. Até que um treinador da Universidade da Flórida, nos EUA, perguntou ao pesquisador Robert Cade como seus jogadores de futebol americano poderiam render mais em dias quentes. Robert então sugeriu um coquetel de sacarose, glicose, sódio, potássio e fosfato (basicamente açúcar e eletrólitos). “As primeiras versões tinham muito sódio para os corredores”, diz Amby, que participou de um estudo em 1970. Rapidamente, os jogadores passaram a arrasar no campeonato, e as bebidas esportivas se transformaram em um negócio de US$ 13 bilhões.

VISÃO ATUAL “Carboidratos melhoram a absorção de líquidos, aumentam a concentração e retardam a fadiga”, diz Kim Larson, porta-voz da Academia de Nutrição e Dietética. Beba em corridas com mais de 60 minutos.

1978: CAFÉ

No fim dos anos 1970, o pesquisador norte- americano David Costill e alguns de seus colegas começaram a publicar estudos sugerindo que a cafeína podia aumentar a resistência. Maratonistas reagiram bebendo café antes das provas. Quando chegou ao mercado em 2008, a marca Extreme Sport Beans se tornou o único produto esportivo cafeinado do mercado, com 50 mg de cafeína por porção. Atualmente, é possível escolher entre bebidas, balas mastigáveis e géis da sua linha de produtos.

VISÃO ATUAL Estudos recentes confirmam que a cafeína mantém a mente rápida, libera ácidos graxos livres (que poupam reservas de glicogênio e ajudam a correr por mais tempo), torna grandes esforços mais leves e não é diurética. Ao contrário de alguns corredores que tomam café apenas no dia da corrida para terem melhor rendimento, experimente testar primeiro durante os treinos, para conhecer os efeitos no seu corpo.

1986: BARRAS ENERGÉTICAS

Brian Maxwell foi um dos maratonistas mais bem classificados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980, no Canadá. Naquela época, ele começou a correr carregando fontes de carboidrato que pudessem sustentar seus níveis de açúcar no sangue nos estágios finais da prova. Ele e seu parceiro começaram a distribuir barras de farelo de aveia, açúcar e proteína, que se tornaram populares entre os ciclistas do Tour de France e, mais tarde, no resto do mundo. Os competidores logo conheceram as barras energéticas Maxwell, e hoje há uma infinidade de marcas para todos os tipos de público.

VISÃO ATUAL Há uma barrinha ideal para cada tipo de corredor. Fique atento à quantidade de açúcar – algumas opções são apenas guloseimas disfarçadas. Antes de correr, procure uma barrinha rica em carboidratos, moderada em proteína e com baixo teor de gordura, diz Kim. Após a corrida, prefira uma que seja rica em carboidratos e proteínas.

1992: GÉIS ENERGÉTICOS 

Antigamente, corredores levavam pacotinhos de mel para tomar durante a corrida. No fim dos anos 1980, algumas fórmulas “pegajosas” feitas no Reino Unido e na Nova Zelândia se tornaram populares entre competidores de Ironman. Mas foi em 1992, quando surgiu a marca GU, que os géis energéticos realmente decolaram. O fundador da GU, Bill Vaughan, procurava um alimento que fosse portátil e liberasse energia mais rápido que as barras energéticas. Sua mistura de açúcares simples e complexos com aminoácidos oferecia aos corredores uma resistência ainda maior. Mas, em alguns casos, o nível elevado de açúcar acabava levando à indigestão.

VISÃO ATUAL Géis são fáceis de carregar em provas longas e têm a quantidade perfeita de calorias e carboidratos. Prefira tomar com água, para diluir a concentração de açúcar, diz a fisiologista do exercício e treinadora norte-americana Patti Finke.

2006: LEITE COM CHOCOLATE

No meio da proliferação das fórmulas nutricionais, pesquisadores trouxeram uma notícia surpreendente: o leite de vaca oferece a fórmula de recuperação ideal, especialmente se for acompanhado de um pouco de chocolate. A pesquisa do International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism descobriu que leite com chocolate, por ser rico em proteína, era melhor que o Gatorade para promover recuperação. A notícia fez o que era uma indulgência parecer um superalimento e também sugeriu que comidas “de verdade” podem ser tão eficientes quanto aquelas criadas em laboratórios. Leite com chocolate tem a proporção de 4:1 entre carboidrato e proteína – perfeita para a recuperação –, é barato, hidrata (oferece líquidos e eletrólitos) e é gostoso.

VISÃO ATUAL Estudos subsequentes confirmaram que essa bebida clássica reabastece as reservas de carboidrato e recupera os músculos. Beba por volta de 220 ml dentro dos  30 minutos pós-corrida.

2012: SNACKS DE CARNE

A procura crescente por alimentos naturais e integrais ajudaram no surgimento e na popularização da dieta paleolítica e de outras de baixa ingestão de carboidrato. Bebidas e alimentos esportivos começaram a incluir grandes quantidades de proteína, e já têm surgido nos Estados Unidos e na Europa opções de snacks de carne bovina.

VISÃO ATUAL “Mesmo que a gente não seja tão dependente de carboidratos como imaginamos um dia, ingerir proteína no meio de uma prova pode causar problemas gastrointestinais”, diz Kim. O que a ciência atual confirma é que a proteína é mais benéfica quando  a ingestão é distribuída ao longo do dia do que quando concentrada em uma dose. Faça um lanche rico em proteína algumas horas depois da refeição de recuperação. Depois de uma corrida longa, faça duas ou mais refeições com boas doses do nutriente. “A recuperação depois de grandes esforços leva de 24 a  48 horas”, conta Kim.

Ops, não é feito para consumo

Você não está feliz por nunca ter seguido esses conselhos?

1809
Capitão Barclay Allardyce, praticante de trilhas de longa distância (precursor da corrida de montanha), dizia aos atletas para ingerirem preferencialmente carne (bovina e de carneiro) e para evitarem líquidos – com exceção de destilados (servidos frios) e cerveja (se artesanal) – durante as provas.

1902
O corredor de meia distância E. C. Bredin considerava a torrada um alimento melhor que o pão.

1950
Seguindo o conselho de seu treinador, a velocista australiana Shirley Strickland evitava alimentos pastosos e líquidos no dia anterior a uma prova. Depois de uma competição, ela bebia cerca de três litros de água.

1985
O livro A dieta para corredores, de Nathan Pritikin, defendia uma dieta rica em carboidratos (80% das calorias totais). Corredores presumiam que isso significava carboidratos e gordura, como bolo e sorvete.

2010
Considerou-se que as bebidas energéticas tinham os mesmos benefícios das bebidas esportivas. A pesquisa científica derrubou essa hipótese.