A tempestade e a duende

Foto: Harvard.edu

Por Andrea Estevam

Agora que as coisas melhoraram posso contar pra vocês. Há 15 dias, tomei um baita susto: fazendo um treino de tiro (6 x 1000m), senti o posterior da minha coxa se rasgar. Foi cena de futebol: o jogador para, com o mão atrás da perna, e sai mancando. Até tentei um trote, mas não deu. “Fu***”, pensei. Faltavam 20 dias pra maratona. Descansei um dia e no outro tentei de novo, mas não conseguia correr sem mancar.

Junto com o estiramento, veio uma gripe brava, daquelas que fazem a gente dormir sentada, de tanta tosse. E tudo isso às vésperas de um evento de trabalho super importante para mim, o Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit. Foi tipo uma perfect storm (tempestade perfeita): pico de trabalho do ano + lesão + gripe, tudo isso na semana que deveria ser o auge dos treinos pra Berlim.

Não dava nem tempo de ir no ortopedista, marcar ressonância etc. Um amigo fisioterapeuta me examinou e concluiu que felizmente não tinha havido ruptura total do músculo. Mas a “estilingada” tinha deixado uma espécie de degrau na musculatura, uma contratura feia. Prescrição: relaxante muscular, gelo durante o dia e bolsa de água quente à noite, rolinho de massagem e alongamentos muito, mas muito suaves. Tudo para ajudar o músculo a se soltar, mas tomando o máximo cuidado para não forçar demais e arrebentar de vez. Corrida, só se fosse muito leve. “Deixa pra sofrer na prova”, me disse.

Tristeza, angústia, raiva. Eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Eu estava feliz, confiante, fazendo tudo direitinho… e agora uma droga de lesão vinha jogar areia em tudo. Numa atitude desesperada, decidi recorrer à duende das agulhas… aquela que procuro só quando preciso melhorar rápido, porque o sofrimento naquela maca é grande – tem que valer a pena.

Naomi Namekata é uma japonesinha baixinha e sorridente, de voz mansa e baixa, que aplica uma técnica própria de acupuntura com manipulação de agulhas longas, que agem profundamente. Basicamente, ela coloca a agulha láááá no fundo e vai mexendo até que o paciente deixa sair um grito, ao mesmo tempo que o músculo se solta com uma sensação de choque e tremor. Só de pensar nisso minhas mãos já começam a suar.

Fui lá na última terça-feira. Sofri e me retorci, mas deixei a mestra trabalhar, pensando que uma hora são 60 minutos e que aquilo ia acabar. Como sempre, saí mancando, me escorando no corrimão para descer a escada, e fiquei superdolorida. No dia seguinte, acordei muito melhor e fui para o parque. Corri com cautela, tomando muito cuidado para não forçar. Mas consegui correr! Sem mancar! E em um ritmo ok! Ah, Naomi, você é mágica!

No sábado, faltando duas semanas pra Berlim, fui pra USP fazer o longão dos longões (30 km). Seria também um teste para o músculo. Ele deu sinais de desconforto, sim, às vezes mais e às vezes menos. Mas atrapalhar a mecânica de corrida ou impedir que eu concluísse o treino. Terminei os 30km cansada (claro, fazia duas semanas que eu não fazia um longo), derretida (mega calor), mas relativamente inteira e no pace que precisava fazer, 5:40/km. Se a coxa ficar assim na maratona, vai dar para correr e quem sabe fazer o RP! Os raios da esperança voltaram a brilhar em minha mente.

Mas, pra garantir, volto pra cama de tortura & cura da Naomi mais uma vez antes de finalmente embarcar rumo a Berlim.